Folha de S. Paulo


Masp inicia onda de remakes com 'Playgrounds' de Nelson Leirner

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Quando levou obras que pareciam brinquedos de um parquinho ao vão livre do Masp, Nelson Leirner tentou transformar esse espaço magnético da cidade em arena lúdica, um território livre. Também queria atacar as estratégias de repressão da ditadura.

Era 1969. O primeiro artista a realizar uma mostra individual no museu da Paulista, aberto um ano antes com uma festa que recebeu até a rainha Elizabeth 2ª da Inglaterra, montou em plena avenida uma caixa de areia, painéis com zíperes que abriam e fechavam e até um altar em que o santo era Roberto Carlos.

Sua mostra foi um sucesso até o dia em que os brinquedos amanheceram estraçalhados. "Uma noite, o pessoal do Comando de Caça aos Comunistas destruiu metade das obras", lembra Leirner. "Não daria tempo para fazer outras peças e tudo ficou jogado no chão, arrebentado até o fim."

Essa fúria que marcou a exposição há quase meio século não parece tão distante na memória. Na ressaca das manifestações contra o governo, que acabam de levar meio milhão de pessoas de verde e amarelo à Paulista, o Masp reencena agora a mostra "Playgrounds", com obras no subsolo e no vão livre do museu.

"Estamos tentando resgatar uma relação com esse espaço. Nesse momento de grandes manifestações, o vão do Masp é um emblema de tudo isso", diz Adriano Pedrosa, diretor artístico do museu. "É difícil prever que tipo de repercussão isso pode ter, mas estamos alertas e abertos para aprender com esse processo."

O tal processo, no caso, é a tentativa de abrir o museu à vida da cidade retomando o que Pedrosa chama de "exposições emblemáticas". É um plano que começou com o retorno dos cavaletes de vidro de Lina Bo Bardi à galeria de pinturas e agora ganha a forma dessa exposição com obras de seis artistas, que se inspiraram no ato original de 1969.

Seus trabalhos, aliás, não perderam o caráter de brinquedo, mas fazem alusões mais diretas à turbulência atual.

"Naquela época, a arte era um subterfúgio. Você dava mensagens de maneira subliminar", lembra Leirner. "Hoje, acho que caberia ser mais direto, mais panfletário, menos sonhador. Vejo a arte agora como um tabuleiro de xadrez em que todas as peças são iguais. Quando os lados são da mesma cor, não existe jogo."

TREPA-TREPA

Uma espécie de ameba cor-de-rosa se alastra pelo subsolo do Masp. Essa estrutura de madeira criada por Ernesto Neto é uma linha que serpenteia pelo espaço, como a guia de uma calçada que pode ser moldada na hora pelo público –a ideia do artista é que visitantes se equilibrem em cima dela como se caminhassem felizes pela cidade.

"Se as pessoas andarem nesse caminho rosa, o rosa da Mangueira, do perfume e do Cartola, talvez consigam pensar um pouquinho melhor", diz Neto. "Estamos vivendo o grotesco, e a gente precisa respirar, sonhar, brincar. O Brasil, coitado, está perdido."

Nesse sentido, as obras da mostra agora no Masp falam em mudar os rumos, encontrar uma rota para o futuro da mesma forma que o museu enxerga na reencenação de exposições de sua fase heroica um retorno aos trilhos da instituição que caiu em decadência e passou duas décadas cada vez mais isolada dos debates estéticos no país.

"Isso era um salão onde aconteciam as festas da elite da cidade, e o vão livre tem a sua dinâmica própria", diz a curadora Luiza Proença, no subsolo do Masp. "Essas exposições surgem para dar um redirecionamento ao museu."

Tanto que uma das obras na mostra é uma plataforma para discussões construída no formato de um ônibus, com as mesmas barras metálicas de cores gritantes dos coletivos que circulam por São Paulo.

Nada sutil, a instalação do Grupo Inteiro, time de artistas que reúne também arquitetos e designers, relembra o fato que o aumento do preço da passagem foi o estopim das manifestações que convulsionam o país há três anos.

Esse ônibus cenográfico não sai do lugar, mas a ideia é que vire ao mesmo tempo um trepa-trepa e um espaço para debates sobre mobilidade urbana, dando uma dimensão mais corporal a um assunto que não sai das manchetes.

"É como a cidade pode ser ativada de várias formas", diz Lígia Nobre, do Inteiro. "Tem certa multiplicidade e ambiguidade essa obra, mas a questão do acesso à cidade é importante e tem várias camadas. A gente traz isso ao museu."

No caso, ao subsolo do museu, já que o vão livre, tomado por manifestações e por uma feira de antiguidades nos fins de semana, não pode ser ocupado da mesma forma que em 1969, na mostra de Leirner. A área pública terá só duas obras –o paquistanês Rasheed Araeen fez 400 cubos coloridos que podem ser empilhados pelo público, e a francesa Céline Condorelli construiu ali uma espécie de carrossel.

Sua obra, inspirada num desenho de Lina Bo Bardi, também está presente em outra versão no subsolo do museu, alternando com o caráter mais público do vão livre. "Estou interessada em criar relações íntimas, pessoais e táteis entre as pessoas, as formas, a arte e a cultura", diz Condorelli. "É um encontro físico baseado em estética, prazer e desejo."

Menos lúdico, o coletivo Contrafilé fará debates no museu com alunos que ocuparam escolas em São Paulo no ano passado, reenquadrando suas ações como formas de reinventar o parquinho.

PLAYGROUNDS 2016
QUANDO abre quinta (17), às 20h; de ter. a dom., 10h às 18h; até 24/7
ONDE Masp, av. Paulista, 1.578, tel. (11) 3149-5959
QUANTO R$ 25 (grátis às terças)


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