Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Descoberta da doença esculpiu a fase mais potente de Leonilson

'A Paixão de JL'

Nas artes visuais, José Leonilson ocupa um lugar análogo ao de Cazuza na música e de Caio Fernando Abreu na literatura. Todos eles foram poetas confessionais, cronistas de uma época turbulenta. Homossexuais, os três morreram ainda muito jovens em decorrência do vírus da Aids.

De certa forma, a descoberta da doença moldou a vertente mais poderosa da obra de Leonilson, sua última e melhor fase, quando a persona pública que criou parece entrar em harmonia com o artista que foi de verdade.

Em seus derradeiros anos de vida, Leonilson fez seus trabalhos mais belos e delicados, os bordados de toada minimalista que servem de autorretrato ou tradução de um sentimento de solidão absoluta –um deles é uma fronha de travesseiro com letras dizendo "ninguém", outro é um pedaço de flanela que soletra um simples "José".

João Caldas - 16.mar.1987/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 16-03-1987, 17h40: Artes Plásticas: o artista plástico Leonilson Bezerra Dias posa para foto na Galeria Luisa Strina. (Foto: João Caldas/Folhapress, 0099, ILUSTRADA - Negativo: SP01950-1987)
O artista plástico José Leonilson Bezerra Dias, em 1987

Esse personagem frágil, carente e inconsolável acabou se tornando a face pública de Leonilson, quase um avesso de sua personalidade forte, às vezes ácida e sarcástica, como lembrada por amigos.

Nesse ponto, sua obra se aproxima da performance. "José", trabalho que chamou de autorretrato, na verdade é o retrato do homem atravessado pelas tensões de um mundo em transe, de todos que viveram a ressaca do desbunde da abertura democrática do país nos anos 1980 até os primeiros sinais da devastação trazida pela Aids.

Suas primeiras telas, grandes e coloridas, vão se transformando com o decorrer dos anos em obras cada vez menores, frágeis, acanhadas, espelhando não só o sentimento do artista, mas a geração que definhou junto a ele, uma leva de nomes rasgados pela dor e ao mesmo tempo capazes de arquitetar trabalhos de robustez incomum.

Leonilson, que gostava de dizer que qualquer tela que pintasse não era muito diferente de uma manhã dele, na verdade recriou em seu trabalho plástico um mundo de todos nós, em especial de quem já sofreu por amor, experimentou a desilusão e se acostumou a perder batalhas –é a humanidade que range.

A PAIXÃO DE JL
QUANDO: EM CARTAZ
PRODUÇÃO: BRASIL, 2015, 14 ANOS
DIREÇÃO: CARLOS NADER


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