Folha de S. Paulo


Porta dos Fundos prepara estreia no cinema com trama sobre filme tosco

Júlia Rabello leva pela coleira o colega Rafael Portugal, de quatro no chão, sem camisa, vestindo fralda geriátrica.

É sábado de Carnaval, e toda a equipe do filme "Contrato Vitalício" usa algum adereço momesco no set, no Rio, mas neste caso não se trata de fantasia.

A atriz está encarnando Denise, uma preparadora de elenco que, em seu método de trabalho, faz o ator Paulo (Portugal) se comportar como um cão (o que inclui comer ração).

Esta é uma das sátiras ao universo do entretenimento que permeiam o primeiro longa do grupo Porta dos Fundos, com lançamento previsto para junho.

Com direção de Ian SBF e roteiro de Fábio Porchat e Gabriel Esteves, "Contrato Vitalício" narra o reencontro de dois amigos e mostra o processo de filmagem de um longa trash (estilo tosco) que eles fazem juntos.

Em um exercício metalinguístico, "Contrato" dá vida a outros personagens do showbiz, além dos já citados: o empresário, o jornalista que cobre celebridades, o assistente de direção (no filme, este é um mendigo, interpretado por João Vicente de Castro).

O argumento do longa surgiu de um diálogo de mais de dez anos. Quando começaram a trabalhar juntos, SBF disse que faria um contrato para que, quando Porchat estivesse famoso, eles continuassem a parceria. "A gente riu e falou: isso dá um filme", lembra o hoje célebre Fábio Porchat.

ALIENÍGENAS

É o que acontece em "Contrato Vitalício" com o ator Rodrigo (Fábio Porchat) e o diretor Miguel (Gregorio Duvivier). O primeiro vira uma celebridade, o segundo cai no ostracismo.

Os dois se reencontram. Miguel conta uma história absurda: ficou dez anos preso por aliens no centro da Terra e avisa o amigo que filmará essa experiência. Pelo contrato que assinaram anos antes, Rodrigo é obrigado a protagonizar o filme chamado "La Bataille Épique - Klinglonfland".

Para viver o amalucado cineasta, Duvivier abdicou de enxergar no set, ao usar óculos com lentes de dez graus de miopia. "Muda o olhar dele. Como o personagem é louco, não dá para ter composição realista", diz ele, tateando no estúdio.

Duvivier, que é colunista da Folha, conta que, apesar de tratar da indústria de celebridades, a história é sobre amizade e trabalho. "As piadas do mundo do entretenimento são floreios."

Porchat reforça: "Muitos filmes mostram esses bastidores, de Woody Allen a 'Birdman'. Essa não é a questão. Ficamos até preocupados em não ter muita piada interna".

Preocupação que não atinge o diretor SBF. Para ele, qualquer espectador entenderá as gracinhas do roteiro. "As nossas piadas você vê no Ego [site de celebridades]. Não precisa abrir a revista 'Cahiers du Cinéma' para entender."

Com "Contrato Vitalício", os integrantes do Porta dizem não ter pretensão de "revolucionar" a linguagem da comédia no cinema. "Nunca inovamos em nada. Fazemos esquetes, algo antigo", fala SBF.

João Vicente diz que o grupo não faz nada pensando em bilheteria. "Temos orgulho de não fazer um filme de comédia rasgada. É interessante, além de engraçado", afirma.

Mas a expectativa de ter público é promissora. "Não é um drama russo sobre Chernobil. É um filme do Porta, imagino que tenha apelo", diz Porchat.

DA WEB PARA O CINEMA

Quando o Porta dos Fundos contratou, há um ano, a produtora Tereza Gonzalez (de filmes como "Deus É Brasileiro", "Lisbela e O Prisioneiro" etc.) para ser sua diretora-executiva, o grupo sinalizava o interesse em ampliar seus projetos para o cinema.

"Contrato Vitalício" é o início dessa nova empreitada. A trupe, cujo canal no YouTube tem 11 milhões de seguidores, já trabalha no roteiro de um segundo longa e em outros projetos de seus integrantes.

"No momento o cinema é a plataforma que almejamos. Estamos realizando internamente vários 'pitchings' (apresentação de ideias)", diz Tereza.

Ela conta que o Porta dos Fundos já tem na fila de produção projetos individuais de filmes de Fábio Porchat, Ian SBF e Clarice Falcão, que deixou recentemente o grupo.

A jornalista viajou a convite da distribuidora Downtown Filmes.


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