Folha de S. Paulo


Irmãos Coen vão a Berlim com sátira noir cheia de referências aos anos 50

assista ao trailer

Imagine andar pela praia de Itacaré, na Bahia, e trombar com o taciturno diretor Joel Coen, 61, tomando um banho de sol ao lado da mulher, a atriz Frances McDormand, 58. Seria tão surreal quanto uma sequência lisérgica de "O Grande Lebowski" (1998), um dos vários clássicos modernos dirigidos e escritos por Joel ao lado do irmão, Ethan, 58.

A diferença? Ela é verdadeira. "Acabei de voltar do Brasil. Sempre passo alguns dias do fim do ano na Bahia. Um amigo tem casa em Itacaré. E sempre vou a São Paulo", conta Joel. Quando a reportagem menciona saber de suas passagens pela capital paulista, fica surpreso: "Como me acharam? É uma cidade de 18 milhões habitantes!"

Joel e Ethan Coen estão divulgando "Ave, César!", uma comédia noir satírica passada na Hollywood dos anos 1950. A obra, que estreia no Brasil em abril, abre o Festival de Cinema de Berlim, na quinta (11).

"Podemos falar apenas sobre o Brasil se quiser", oferece Joel. "Há tantas coisas que podemos fazer em São Paulo. Na primeira vez que fomos lá foi intimidador", diz ele, apontando para Ethan, que concorda com a cabeça.

"É uma metrópole muito grande, mas logo compreendi que é dividida em pequenas comunidades lindas. A arquitetura é maravilhosa, gosto de ir a galerias, e a comida brasileira é boa, mas há restaurantes japoneses incomparáveis."

"Você sabe quem é Dilma, não?", pergunta Joel para o irmão, que nem tem tempo de responder. "Nos anos 1970, quando os generais mantinham um governo militar, as pessoas que queriam combatê-los eram rebeldes radicais. Tipo, matar ou morrer. E Dilma era parte dos radicais de esquerda", explica ele. "Como se Angela Davis tivesse virado presidente?", diz Ethan, comparando a petista à ativista negra americana dos anos 1960.

"Isso. Foi presa, torturada, a merda toda. Agora, ela é presidente, e todos estão contrariados com ela, porque há tanta corrupção que nem ela pode fazer nada", resume Joel. "Mas ela não é tão carismática quanto Lula e a economia está em frangalhos, então ninguém sabe o que vai acontecer."

Depois de o homem que escreveu "Fargo" (1996) e "Onde os Fracos Não Têm Vez" (2007), entre outros, descrever sua visão da política brasileira, ele enfim passa a discorrer sobre "Ave, César!".

Scarlett Johansson em cena de
Scarlett Johansson em cena de "Ave, César!"

Ele explica que a semente do longa foi plantada há 15 anos, quando imaginaram a história de um astro (George Clooney) raptado por comunistas no meio das filmagens.

"Era apenas uma ideia, mas George ficava falando para os repórteres que seria seu próximo filme", brinca Ethan.

Como em "Inside Llewyn Davis", último longa dos Coen, a nova obra se passa durante 24 horas na vida de um executivo de estúdio, Eddie Mannix (Josh Brolin), que recebe uma proposta de emprego ao mesmo tempo em que precisa resolver o sequestro do astro de seu filme do ano, o épico bíblico "Ave, César!". "Queria colocar Clooney em saias ridículas", conta Joel.

Mannix é o único que de fato existiu, mas a obra possui várias referências à Hollywood da época. Um caubói (Alden Ehrenreich) no estilo Roy Rogers, uma atriz especializada em números aquáticos (Scarlett Johansson) –como era Esther Williams– e um dançarino e cantor (Channing Tatum), homenagem a Gene Kelly e Fred Astaire.

"Channing canta bem, mas ele nem precisava. Fred Astaire não era conhecido pela voz, mas pela dança", explica Joel.

Além disso, os Coen criaram quatro sequências de filmes fictícios. "Era importante que não parecessem falsas, como fossem parte de um filme que poderia ter existido", diz Joel. "Apesar de a maioria desses longas terem uma cena boa e o resto ser uma porcaria", completa Ethan.


Endereço da página: