Folha de S. Paulo


Publicação de livro maldito de Adolf Hitler foi proibida por sete décadas

O silêncio de "Minha Luta" foi longo –talvez uma tentativa de apagar o barulho que fez quando surgiu. Há 70 anos sem circular oficialmente, o manifesto nazista de Adolf Hitler vendeu 21 milhões de exemplares na Alemanha entre 1925, quando saiu, e 1945, quando o ditador se matou ao ver que as tropas soviéticas avançavam sobre Berlim.

Com a morte do Führer e o fim de sua editora, os direitos da obra passaram a pertencer ao Estado da Baviera –que desde então impedia sua publicação. Mas, como rezam os tratados internacionais de direitos autorais, em 2016, nos 70 anos da morte de Hitler, "Minha Luta" caiu em domínio público.

Foi aí que começou o debate ético. É correto publicar e comercializar o clássico maldito, inspirador dos crimes nazistas? O Estado da Baviera se antecipou e lançou uma edição crítica –um calhamaço de 1.948 páginas, que esgotou em uma semana ao preço de 59 euros (R$ 255).

DEMANDA

Os editores brasileiros viram por aqui que havia a mesma demanda –nos últimos anos, era comum surgirem relatos de jovens em bienais pelo país procurando a obra.

As casas Centauro e Geração Editorial preparavam suas edições, mas já detectavam a relutância das livrarias desde 2015, como a Folha antecipou em dezembro.

A Centauro –que já havia sido denunciada em 2005 por republicar "Minha Luta" ilegalmente–, planejava uma edição com apenas o texto. Já a Geração produzia uma nova tradução a ser lançada em março com notas e comentários de especialistas.

Primeiro, esbarraram em uma mobilização virtual liderada por escritores e acadêmicos, que se opõem à publicação do livro do líder nazista com fins lucrativos.

Mas foi na Justiça que as duas editoras esbarraram de forma mais séria. No dia 29 de janeiro deste ano, provocado por uma notícia-crime de um grupo de advogados, o MPE (Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro) abriu uma ação cautelar pedindo a proibição do livro.

A decisão do judiciário, assinada pelo juiz Alberto Salomão Júnior, da 33ª Vara Criminal do Rio, saiu na quarta-feira (3). Ela não só proibiu a comercialização de "Minha Luta", mas também sua exposição e divulgação –sob multa de R$ 5.000 para quem desrespeitar a determinação.

OUTRAS EDIÇÕES

Esta não é a primeira vez que "Minha Luta" sai no Brasil. A primeira tradução foi lançada pela Livraria O Globo de Porto Alegre, em 1934, feita pelo major Ibiapina –foram cinco edições até 1940.

A tradução voltou clandestinamente ao mercado em 1962, pela editora Mestre Jou, mas foi logo proibida por uma portaria do Ministério da Justiça. Outras edições surgiriam, como uma dos anos 1990, da Editora Revisão, cujo dono acabou julgado e condenado por racismo. O editor Siegfried Ellwanger era um revisionista do Holocausto.

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MANIFESTO NAZISTA Através da história

1925 Hitler publica "Minha Luta", seu manifesto nazista, depois de escrevê-lo na cadeia. Ele foi preso em 1923, depois do Putsch de Munique, tentativa fracassada de golpe que fracassou

1926 Sai o segundo volume de "Minha Luta" na Alemanha

1934 Lançamento da primeira edição brasileira do livro, pela Editora do Globo, de Porto Alegre

1945 Hitler comete suicídio quando as tropas soviéticas invadem Berlim e os direito do livro passam ao Estado alemão da Baviera, que impede sua publicação

2001 A editora Centauro lança uma edição brasileira de "Minha Luta", mas acaba sendo processada em 2005.

2016 Depois de 70 anos da morte do nazista, o livro cai em domínio público. A Baviera publica uma edição crítica da obra. A Centauro relança o livro e a Geração Editorial planeja uma edição comentada para março

29.jan Ministério Público Estadual do Rio move ação cautelar pedindo proibição do livro

3.jan Tribunal de Justiça do Rio proíbe venda da obra e manda recolher obra sob multa de R$ 5.000 por exemplar


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