Folha de S. Paulo


crítica

Nova série de Louis C.K. exibe ecos da influência de Eugene O'Neill

Balcão, mesas, o dono, o garçom e os fregueses regulares, "barflies".

Lembra muito "Cheers", sitcom que todo espectador de TV americana nos anos 1980 –caso de Louis C.K.– conhecia bem. Estabeleceu as noites de quinta na NBC, que comandaram a audiência por três décadas. Mas é uma armadilha. "Horace and Pete" é drama, mais que comédia.

Seu paralelo maior é com "The Iceman Cometh", peça de Eugene O'Neill de 1939 –publicada aqui como "Piedade Cruel" (Edusp, 2010), mas geralmente traduzida como a vinda do homem de gelo.

O cenário decadente de "Horace and Pete" é praticamente o mesmo da montagem na Brooklyn Academy of Music, ano passado, com Brian Dennehy e Nathan Lane.

Divulgação
Legenda: Cena do seriado â€Horace and Pete', do comediante Louis C.K. Crédito: Divulgação ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Aidy Bryant, Steve Buscemi e Louis C.K. em cena de 'Horace and Pete', dirigida e escrita por Louis C.K.

Com a nova criação, que escreveu, dirigiu, produziu e protagoniza como Horace, Louis C.K. faz sua petição para a parede dos retratos da sociedade americana, em suas indignidades e misérias.

Com algumas grandes atuações, cenas com diálogos corrosivos e muitas frases de efeito, busca a tragédia realista americana, carregada de melancolia e luto, à maneira de O'Neill –o modelo, por sinal, de Nelson Rodrigues.

É também tópica, refere-se a assuntos correntes, políticos, como em "The Iceman Cometh", chegando mesmo a comentar o debate entre presidenciáveis republicanos, ocorrido dois dias antes.

Como nas apresentações de "stand-up" de Louis C.K., os temas são a divisão radicalizada da política americana, a degradação do discurso público, racismo, sexismo –os mesmos assuntos, aliás, do Brasil de hoje.

O paralelo com O'Neill chega ao extremo de ecoar seu anarquismo, por exemplo, quando um dos fregueses defende o voto em Trump, pela decadência dos EUA: "Se votarmos, quer dizer que queremos cair. Então, vamos cair!".

Embora curta, pouco mais de uma hora, "Horace and Pete" tem até intervalo, para marcar o elo com o teatro. Andamento, o conflito anunciado para o final, com a irmã, em tudo é uma peça redonda.

Alan Alda, como Tio Pete, da geração anterior dos donos, também Horace e Pete, tem atuação de arrebatar: é a incorporação da América preconceituosa, ofensiva, mas também realista e compassiva, que serve doses de graça –de uísque batizado.

Jessica Lange, como Marsha, uma das freguesas, última namorada do pai de Horace, não fica longe: remete às exuberantes e decadentes mulheres não só de O'Neill, como Mary Tyrone, de "Longa Jornada Noite Adentro", mas de Tennessee Williams.

Louis C.K. e Steve Buscemi, como Horace e Pete, estão mais contidos, como se preparassem o palco para os demais –como, registre-se, ocorria também em "Cheers".

HORACE AND PETE
ONDE disponível em louisck.net
QUANTO US$ 5 (cerca de R$ 20)


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