Folha de S. Paulo


análise

Bem ou mal, mostra de Tiradentes exibe futuro do cinema nacional

Leo Lara/Universo Produção
Cena do filme
A vaca Cerveja, protagonista do filme 'Animal Político', do cineasta pernambucano Bruno Bezerra, o Tião

A Mostra de Tiradentes, em sua 19ª edição, confirma-se como o principal local de investigação de caminhos possíveis, e muitas vezes perigosos, para o cinema brasileiro.

O evento promove um encontro de gerações. Nos três primeiros dias tivemos a homenagem a Andrea Tonacci (e a exibição de dois longas e um curta de sua autoria) e os decepcionantes novos longas de Walter Lima Jr. ("Através da Sombra") e Ruy Guerra ("Quase Memória").

Vimos também "Ralé", novo longa de Helena Ignez, e "Garoto", mais uma obra marcante de Júlio Bressane.

Contudo, a maior parte dos 35 longas exibidos na cidade histórica mineira, divididos em diversas mostras, são de diretores à procura de um lugar na história do cinema.

A principal mostra do evento é a competitiva Aurora, composta de sete longas dirigidos por diretores que não passaram do terceiro longa. Representa, de certo modo, o futuro do cinema nacional, para o bem e para o mal.

Futuro que pode ser também de veteranos. "Índios Zoró: Antes, Agora e Depois?" é o terceiro longa de Luiz Paulino dos Santos, 83, roteirista (e inicialmente também diretor) de "Barravento", longa de estreia de Glauber Rocha. Seu novo filme abriu a Mostra Aurora de maneira positiva.

"Aracati", de Julia De Simone e Aline Portugal, percorre a rota do vento, no Vale do Jaguaribe, no Ceará. É um exercício de contemplação nem sempre bem realizado, mas de momentos fortes.

"Taego Ãwa", de Marcela e Henrique Borela, retoma a questão indígena de maneira muito feliz.

Ao investigar as reivindicações da tribo Ãwa, e a desconfiança em relação aos brancos, o longa, o melhor entre os inéditos (embora não tenha sido premiado), promove uma mistura instigante entre o registro observacional atual e o material de arquivo.

A especulação imobiliária é o alvo de "Banco Imobiliário", de Miguel Antunes Ramos. Aqui há um problema ético: ao usar corretores como protagonistas, o filme inevitavelmente os trai.

Já "Filme de Aborto" é uma provocação ingênua dirigida por Lincoln Péricles. A dissociação entre som e imagem e a experiência com a duração são os elementos que norteiam seu cinema. Um dia pode render, mas por enquanto ficamos na ousadia vazia.

O impacto fácil vem com "Animal Político", longa do pernambucano Tião, que fez barulho em Tiradentes. O filme mostra os dilemas de uma vaca. Ouvimos sua voz interna, a voz de um homem. Ao tomar contato com o livro da ABNT, associação que rege as normas dos trabalhos acadêmicos, a vaca se torna bípede.

É bem ruim, mas está sendo tratado como obra de gênio. Ganha o filme, perde o cinema. Ao menos o longa também não foi premiado.

Em outro nível está "Jovens Infelizes ou um Homem que Grita Não é um Urso que Dança", de Thiago B. Mendonça.

É uma provocação inteligente, embora irregular como quase todos os filmes episódicos. Fala de jovens revolucionários, perdidos entre slogans e orgias. O filme de Mendonça foi o grande vencedor do júri da crítica e, consequentemente, da 19ª Mostra de Tiradentes.

Dos curtas, o melhor é "Eclipse Solar", de Rodrigo de Oliveira, que utiliza uma encenação rigorosa para narrar o drama de uma mulher que vendeu a alma ao diabo.

Mas o júri da crítica deu bola fora e preferiu premiar o fraco "Noite Escura de São Nunca", de Samuel Lobo.


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