Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Rihanna solta amarras e se diverte com mistura de estilos em 'Anti'

Carol Nogueira/Folhapress
Imagem da do novo disco de Rihanna,
Imagem da do novo disco de Rihanna, "ANTI", exibido em galeria de arte de Los Angeles

Há estrelas pop de vocais poderosos, que dominam com a imensidão de seu talento; estrelas pop vívidas como caleidoscópios, que deslumbram com seu entusiasmo e energia; estrelas pop diligentes, que batalham pelo sucesso até encontrar seu filão; estrelas pop irreverentes, que compreendem o absurdo de sua situação mas conseguem manter o rumo convincentemente.

E há Rihanna, que não é bem nenhuma dessas coisas.

Esse déficit não provou ser grande obstáculo. Mais de três anos se passaram desde o lançamento de seu último álbum, e ela hoje talvez seja ainda mais famosa do que no passado, uma estrela da moda, mídia social e dos tabloides que, sei lá, de repente faz música de vez em quando.

E embora tenha acabado de lançar "Anti" (Roc Nation), seu oitavo álbum, é improvável que sua peculiar situação mude. "Anti" é um álbum caótico e disperso, e não parece produto de uma visão artística definida, ou mesmo de uma estética desapegada dos formatos estabelecidos; o novo lançamento parece mais um amálgama de abordagens, tons, estilos e climas.

A depender do momento, seus vocais são eletrizantes ou indiferentes; ela demonstra sabedoria emocional ou ingenuidade; e se há faixas em que ela mostra ser uma cantora que compreende como melhor usar a sua voz, há outras em que parece simplesmente estar seguindo instruções.

Rihanna sempre brilhou em seus momentos mais assertivos, como "Needed Me", um dos pontos altos do álbum. Sob um beat pulsante, cru, do DJ Mustard, Rihana canta sobre usar homens para sexo e descartá-los como lenços de papel: "Tentando resolver seus problemas internos com uma cadela malvada?/ Não te disseram que sou selvagem?" Se ela estivesse forçando os vocais, a letra pareceria ranzinza, mas seu jeito de cantar é calmo e reservado - ela está simplesmente dispensando um otário qualquer, e já praticamente deu as costas ao assunto.

Ela se sai bem nessa ponta do espectro e também na oposta, como em "Work", single lançado na manhã de quarta-feira (27). Canção pop, de dança, borbulhante e desprovida de qualquer profundidade, a faixa é um single barato e efetivo. Há momentos em que ela mal recorre às palavras, distorcendo as sílabas para além do dialeto e chegando a algo muito menos definido.

Ir além das palavras e ainda assim se dar bem é um dos talentos de Rihanna, e em "Anti" ela preferiu depender de sua gama desconexa de talentos, de preferência a uma estratégia definida. Quando de seu álbum anterior, "Unapologetic" (Def Jam), lançado perto do final de 2012, Rihanna estava em um pico criativo, tendo desenvolvido um som gótico, erótico, quase desdenhoso. Mas os anos que se seguiram foram mais curiosos do que produtivos. A mídia em que ela se saiu melhor foi o Instagram, com uma conta gloriosamente livre de cautela, até o dia em que o perfil desapareceu misteriosamente. No seu ápice, a conta mostrava o talento excepcional de Rihanna na função "ser famosa" - um raio de sol de glamour inatacável.

No ano passado, ela lançou três singles - a sedutora "FourFiveSeconds", mistura de country e soul na qual colaborou com Kanye West e Paul McCartney; o frouxo "American Oxygen"; e "Bitch Better Have My Money", o mais básico e menos imaginoso de seus sucessos na categoria barraco.

Mas nenhuma dessas canções aparece em "Anti", um álbum cuja produção demorou muito tempo e chega precedido de fortes expectativas. O processo de lançamento foi complicado até o minuto final: o álbum vazou na noite de quinta-feira (28) antes de ser lançado oficialmente nos serviços de streaming de música. (Um número limitado de downloads gratuitos foi oferecido como parte de um acordo promocional com a Samsung.)

Um dos muitos tropeços no percurso de "Anti" foi a recente erupção via Twitter de Glass John, compositor e produtor que trabalhou no álbum e deu a entender que o lançamento tinha sido postergado porque Travis Scott, rapper que boatos apontam como namorado de Rihanna, estaria causando problemas. Que as impressões digitais dos dois homens sejam tão claras no álbum é uma das indicações de sua dispersão. Scott ajudou a produzir "Woo", uma faixa deliberadamente desordenada, cuja produção é sombria e repleta de distorções, como a de seu hit "Antidote". Glass John, enquanto isso, ajudou a realizar "Kiss It Better", uma jam sexual cheia de ostentação, com a ajuda de sintetizadores em padrão de rock comercial dos anos 80.

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"Kiss It Better" também é uma das diversas canções em "Anti" nas quais os vocais de Rihanna ocupam posição central. O mesmo pode ser dito sobre as três canções que fecham o álbum, cada uma das quais a conduz em direções musicais inesperadas, ancoradas apenas pela flexibilidade de sua voz. "Love on the Brain" é um doo-wop calmo sobre um amor venenoso: "Você ama quando me despedaço/ Para você colar os cacos/ E me jogar de novo na parede". Em seguida vem "Higher", um soul fervilhante no qual Rihanna encontra um timbre rouco em sua voz, parecido com o de Amy Winehouse, que ela nunca havia exibido. Por fim, há a balada "Close to You", acompanhada só por um piano, a canção de amor mais tocante de sua carreira.

Como canções, todas elas são imperfeitas, mas juntas sustentam um argumento improvável: o de que Rihanna talvez esteja chegando ao seu pico vocal, no momento de sua carreira em que isso menos importa. (O resultado também é sem dúvida testemunho da competência de Kuk Harrell, seu produtor vocal.)

Mas existem muitos argumentos em contrário, no pacote: a irregular "Desperado"; a tépida "Never Ending", que toma de empréstimo e aproveita mal um trecho de "Thank You", de Dido; e a nebulosa "Same Ol' Mistakes" - cover de "New Person, Same Old Mistakes", do Tame Impala -, seis minutos de pseudo-chillwave que ajudam a derrubar a porção central do novo álbum.

Que todas essas canções existam lado a lado reafirma que Rihanna é hoje a estrela pop importante que menos demonstra consistência estética - ou compromisso para com uma determinada estética. A essa altura de sua carreira, a música talvez seja o tijolo menos importante de sua casa. E como Rihanna deixou claro inúmeras vezes, a soma não só é maior do que as partes componentes como pode ser que tenha coisa nenhuma a ver com elas.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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