Folha de S. Paulo


Música pop atual é feita por anônimos, diz autor do livro 'The Song Machine'

Esqueça a arte e a subjetividade do pop. Deixe de lado a poesia das letras, as mensagens políticas e o charme do talento autoral. Tudo não passa de uma linha de montagem na fábrica dos hits.

"Se antes os compositores escreviam canções a partir de uma melodia, hoje o produtor cria uma batida no computador, terceiriza a melodia, e as letras vêm por último, como acessório", diz o americano John Seabrook, jornalista da revista "The New Yorker" e autor do livro "The Song Machine: Inside the Hit Factory", publicado em outubro pela editora nova-iorquina W. W. Norton & Company.

O título reconstitui como um grupo de DJs suecos exportou seu modelo de produção para os Estados Unidos, lançando as bases para a atual música pop, focada não mais em álbuns ou autenticidade, mas em transformar singles em grandes sucessos.

O método deu certo: em 2014, 90% da receita do setor veio de apenas 10% das músicas -os hits. Fabricados de forma compartimentada, eles são despidos de identificação pessoal. Não raro, a canção escrita para uma diva pop acaba imortalizada por outra sem causar estranhamento.

No anonimato dos novos compositores, o mais famoso é o nórdico Max Martin, responsável pela fama de Backstreet Boys, Britney Spears, 'N Sync e Katy Perry. Ele soma 21 músicas no topo das paradas da revista "Billboard" -perde apenas para John Lennon (26) e Paul McCartney (32).

Com exceção dos profissionais do ramo, poucos conhecem Martin. E não à toa, diz Seabrook. "É melhor para o público acreditar que os artistas escrevem suas músicas. Assim, eles parecem mais autênticos e talentosos. A ilusão é essencial na fábrica de hits."

Para o autor, Martin -vocalista de uma banda sueca de metal na juventude- é tão (ou mais) talentoso que os cantores para quem escreve. "O que diferencia produtores como ele [a maioria músicos] dos artistas para que trabalham é que eles não sabem viver o estilo de vida e não têm as qualidades das estrelas do rock", diz. "Estes têm algo genuíno com o que a audiência se conecta. Para muitos, a música é só um veículo para a identificação das massas, que os alça a ídolos."

Como causa e consequência da ascensão do pop, o autor aponta a diminuição da relevância social das músicas. Ele compara com os anos 1960, em que canções pela paz ajudaram a fomentar o movimento hippie e a resistência à Guerra do Vietnã.

"A música ter se tornado algo tão rápido e descartável levou a isso", teoriza. "O quadro só deve piorar com a era do streaming, em que a desvalorização é ainda mais brutal."

Fã do rock dos anos 1980, o jornalista deu uma chance ao pop para se aproximar do filho adolescente. Ele aponta a nostalgia dos críticos como responsável pela má vontade com o gênero. "As pessoas ainda consideram uma cultura baixa, como se ouvi-la fosse sinônimo de emburrecer."

Seabrook conta que é a familiaridade, não a alienação, que desperta o gosto pelo pop. Saber o próximo verso do sucesso de Taylor Swift deixa de ser um gosto e se torna a forma moderna de comunhão.


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