Folha de S. Paulo


Hilda Hilst se transmuta em dança por meio de álbum de Zeca Baleiro

Hilda Hilst escreveu, Zeca Baleiro musicou e agora o grupo mineiro Primeiro Ato vai dançar os versos do álbum "Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé - De Ariana para Dionísio", que parte do livro "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão".

Batizado "Três Luas", o espetáculo que estreia em São Paulo neste sábado (23) dá movimento aos poemas escritos por Hilda na Casa do Sol, em Campinas, refúgio fundado pela escritora em 1965. Foi ali que, em 2001, ela recebeu Zeca Baleiro para propor que ele musicasse seus versos.

"Trabalhar com Hilda foi um sonho, era como dividir o palco com Bob Dylan", lembra o músico maranhense.

Até essa história virar dança, passaram-se 15 anos. Baleiro lançou o disco baseado na obra em 2005 e, dois anos depois, iniciou a parceria com Suely Machado, 62, diretora do Primeiro Ato. Foram nove anos até o grupo conseguir transformar a poesia feita música em linguagem corporal.

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Hilda Hilst escreveu, Zeca Baleiro musicou e agora o grupo Primeiro Ato vai dancar os versos do livro
Bailarinos do grupo Primeiro Ato durante cena de "Três Luas"

No livro, Hilda (1930-2004) fala de um amor que não ocorreu. O nome e o sobrenome desta paixão estão nas iniciais do título: são do jornalista Júlio de Mesquita Neto (1922-96). Diz-se que ele foi um dos dois únicos homens que Hilda desejou e nunca teve –o outro era o ator Marlon Brando.

Mas Suely não queria ficar apenas na experiência da escritora. "Pedi aos bailarinos que mandassem uma carta para um amor ausente, dizendo o que queriam ter dito, mas não falaram, ou que disseram, mas preferiam não ter dito."

Cada bailarino trabalhou com frases de suas próprias cartas e versos da autora. O diálogo entre memórias individuais e a poesia de Hilda se materializou em movimento. Para Baleiro, foi uma surpresa: "Até ver a peça, não tinha pensado em relações entre Hilda e dança. Tem tudo a ver".

O poema que Suely escolheu para voltar ao palco depois de 20 anos sem se apresentar é testemunho: "Minha Casa é guardiã de meu corpo/ E protetora de todas minhas ardências/ E transmuta em palavra/ Paixão e veemência".

Esses versos foram cantados por Maria Bethânia no CD lançado por Baleiro, mas, para o espetáculo, foi regravada pelo músico com um novo arranjo de violão e gaita.

Combina com a atmosfera lírica e leve da montagem, com figurinos cheios de transparências inspirados na fase pré-Casa do Sol, quando a escritora gostava de se vestir com roupas de alta-costura.

"Na criação artística, já tem muita gente querendo chocar, mas ninguém se choca com mais nada. Quisemos dar este tom de delicadeza. Coisas que estamos precisando mais do que nunca", afirma Suely.

EX-BANQUEIRA DO MENSALÃO

No final de 2015, o grupo Primeiro Ato, que completa 34 anos e é um dos mais importantes de Minas Gerais, apareceu no noticiário por motivos mais políticos do que artísticos.

Na época, a ex-banqueira Kátia Rabello, condenada no escândalo do mensalão, recebeu direito ao regime semiaberto para trabalhar durante o dia na escola de dança da companhia.

"Kátia fundou a escola comigo, trabalhamos 14 anos juntas. Fico feliz como cidadã em dar uma oportunidade para uma pessoa tão íntegra", diz Suely, diretora do Primeiro Ato, que conheceu Katia quando eram bailarinas do grupo Corpo.

Segundo a diretora, a escola precisava de alguém que coordenasse o curso de balé clássico e ajudasse a escrever o método de ensino da companhia.

Suely ressalta que o grupo e a escola são instituições diferentes, cada uma com CNPJ próprio. "Kátia veio trabalhar na escola, uma sociedade anônima, que nunca teve apoio do governo e sempre se manteve com as mensalidades."

Já a companhia é uma associação sem fins lucrativos, "que se mantém com a renda dos espetáculos, editais e patrocínios –quando eles existem", explica ela.

O espetáculo "Três Luas", que estreia neste sábado em São Paulo, foi montado com dinheiro do Banco do Brasil a partir de edital de 2014.

TRÊS LUAS
QUANDO sáb. (23), às 21h, e dom. (24), às 18h
ONDE Sesc Consolação, r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
QUANTO de R$ 9 a R$ 30
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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