Folha de S. Paulo


Espetáculo 'O Testamento de Maria' busca lado humano da mãe de Jesus

Ao deparar-se certa vez com textos bíblicos, o irlandês Colm Tóibín começou a refletir sobre a figura de Maria. O que teria pensado ela ao ver o filho crucificado? O que faria a mãe de Jesus depois do trauma de perder o rebento?

Dos questionamentos, conta o escritor e jornalista em texto publicado no jornal "The Telegraph" em 2014, nasceu a peça "O Testamento de Maria" (2011), em que Tóibín busca evidenciar o lado mais humano dessa figura materna.

O monólogo mais tarde virou livro (concorrendo ao Man Booker Prize em 2013), ganhou versão na Broadway e tem agora sua primeira montagem brasileira. Com adaptação e direção de Ron Daniels e atuação de Denise Weinberg, a peça chega nesta semana ao Sesc Pinheiros.

A história acompanha Maria logo após a morte do filho. Exilada na grega Éfeso (atual Turquia), ela carrega com peso seu luto e questiona as decisões e ações do profeta.

"Vemos um lado profano dessa figura dogmática", comenta Denise. No exílio, Maria é visitada pelos discípulos de Jesus, mas nutre por eles uma raiva e refuta cooperar com a escrita dos evangelhos.

"Ela questiona a seriedade com que os discípulos levavam esse papo de Jesus, como isso pode virar uma coisa meio fanática", continua a atriz.

Na versão do autor irlandês, Maria carrega uma culpa por ter fugido. "Durante todos esses anos, ela mentiu para si mesma", afirma Daniels. "E é só nesse momento que ela começa a dizer a verdade."

Tóibín ainda imprime na personagem uma força como a das heroínas de tragédias gregas, mulheres em princípio sem poder que, por meio do teatro, adquirem uma voz.

No palco diminuto, dotado apenas de uma cadeira e alguns papéis, há poucos recursos além do próprio texto. "A gente trabalhou em esculpir essas palavras na minha boca", explica a atriz, que é acompanhada em cena pelo músico Gregory Slivar.

Ele criou uma trilha sonora que entremeia o ritmo da fala de Denise. "Queria um som menos melódico, mais primitivo", explica o músico, que criou alguns dos instrumentos utilizados na peça, caso de um que lembra a cabaça de um berimbau. A ideia, diz, era ter sons não facilmente identificáveis pelo público.

SHAKESPEARIANO

O fluminense Daniels, 73, iniciou a carreira como ator (quando ainda assinava Ronald Daniel), sendo dirigido por Augusto Boal e Zé Celso. Nos anos 1960, foi para Londres, onde trabalhou na Royal Shakespeare Company, e depois se fixou nos EUA.

Ficou conhecido por suas inúmeras montagens de Shakespeare –é dele a direção de "Macbeth" e "Medida por Medida", ambas com Thiago Lacerda e Giulia Gam no elenco e atualmente em cartaz no Sesc Vila Mariana.

Pelas suas contas, havia mais de 15 anos não encenava um texto que não fosse do bardo inglês. Com "O Testamento de Maria", portanto, ele se distancia das montagens "grandiosas": de cenários volumosos e elencos numerosos.

"A peça é intimista, mas é épica também. Um momento histórico visto por uma perspectiva intimista", comenta o diretor. "O que é shakespeariano. Shakespeare cria esses panoramas épicos, mas sempre os vê através de um prisma de grande intimidade."

O TESTAMENTO DE MARIA
QUANDO qui. a sáb., às 20h30; até 13/2
ONDE Sesc Pinheiros - auditório (3º andar), r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400
QUANTO R$ 7,50 a R$ 25
CLASSIFICAÇÃO 16 anos


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