Folha de S. Paulo


Política e cortes de verba travam cultura, diz ministro Juca Ferreira

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, 66, faz planos. Fala em aprovar, no primeiro semestre de 2016, a nova lei Rouanet (ProCultura), e em dar fim à versão em voga, criada há 24 anos, "absolutamente dentro do espírito neoliberal".

Revela o projeto de montar um "Netflix brasileiro", para disponibilizar filmes e séries feitos com recursos públicos.

Quer pôr o direito autoral em sintonia com a internet, de olho no que artistas ganham (ou deixam de ganhar) devido à regulamentação bamba sobre serviços como o streaming. "A gente está trabalhando de graça para que grandes corporações enriqueçam."

Leo Lemos/Folhapress
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 10-12-2015, entrevista com Juca Ferreira - Ministro da Cultura - (FOTO: Leo Lemos/FOLHAPRESS *** EXCLUSIVO FOLHA ***
O ministro da Cultura, Juca Ferreira, durante entrevista à Folha na última quinta (10), no Rio de Janeiro

Planos Juca tem aos montes. O problema é tirá-los do papel. Na quinta (10), dia em que o ministro conversou com a Folha, os jornais noticiavam mais um tumulto no Congresso, que discute desde a possível abertura de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff até a possibilidade de cassar o mandato do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Enquanto isso, o governo, deficitário, enxuga recursos sem dó.

Sobra para o Ministério da Cultura (MinC). Ou melhor, falta. No primeiro semestre, o governo bloqueou quase 25% dos R$ 928,5 milhões previstos pela Lei Orçamentária de 2015 para a pasta -que por pouco não foi ceifada na reforma ministerial que cortou oito de 39 ministérios de Dilma. A previsão é que o orçamento, no fim das contas, fique abaixo dos R$ 700 milhões.

Com Brasília em pé de guerra, a principal bandeira do ministro -a nova lei Rouanet- fica travada no Senado. Esse projeto de lei começou a tramitar em 2010, na Câmara. "Dá para perceber que a prioridade do Congresso é outra", afirma Juca.

Com o país em crise, a fonte seca. Bom exemplo é a Petrobras, investigada pela Operação Lava Jato. Há dez anos, a estatal liderava o ranking de patrocinadores da Rouanet (R$ 372 milhões). Em 8º lugar vinha a Petrobras Distribuidora -mais R$ 14 milhões. Em 2014, só esta subsidiária vingou no top 15: R$ 15 milhões lhe deram o penúltimo lugar. (Todos os valores foram atualizados.)

"Evidente que vamos procurar sensibilizar a Petrobras, pois seu próprio reerguimento passa pela manutenção da imagem da empresa, tradicionalmente vinculada à responsabilidade social", diz.
O ministro teme ainda que a Vale, hoje grande incentivadora, passe a reter recursos após o mar de lama no interior de Minas Gerais.

Juca diz que "não trabalha como a ideia de fechar programas". Usa expressões como "qualificar gastos" e "contrabalançar a redução de orçamento" sem esclarecer como, na prática, isso acontecerá. A ideia é "aumentar parcerias público-privadas" e "diminuir a abrangência [de projetos] para passar essa fase de dificuldade". Ou seja, vai faltar para alguém. Na semana passada, o ministro participou do 1º Emergências, encontro de cultura, ativismo e política no Rio, que ele define como "a grande atividade do MinC em 2015".

O nome, afirma, remete tanto ao ato de emergir socialmente quanto àquilo que precisa de "tratamento imediato", como no setor do hospital. E acha que o segundo sentido ganhou força nos últimos dias, de "tentativa de golpe legal".

Leia o que o ministro da Cultura, Juca Ferreira, pensa sobre os seguintes tópicos.



NOVA ROUANET
"A gente não gosta da ideia de 100% de renúncia", diz sobre a possibilidade de as empresas deduzirem do Imposto de Renda o valor integral do patrocínio. Para Juca, elas devem tirar dinheiro do bolso para ter seu nome carimbado em projetos culturais -ideia defendida por ele e Gilberto Gil, ministros da Cultura de Lula.
Mas esse ponto foi retirado quando o projeto de lei do ProCultura (que substituirá a Rouanet) tramitava na Câmara. Hoje o texto está no Senado. Juca diz que negocia para resgatar seu "espírito original".
Para ele, aprovar a nova lei compensaria o parco orçamento do MinC. "A Rouanet representa 80% do que o governo tem para aplicar na cultura", diz -e emenda crítica à distribuição desse montante.
Projetos recentemente autorizados a captar verbas milionárias: "Wicked" (da família "Mágico de Oz") e "Disney on Ice". "Se o dinheiro público fosse gasto com critérios públicos, essas peças tipo Broadway teriam papel menor."

CRISE NO PT
Até 2010, recaía sobre Juca Ferreira o apelido "melancia": verde por fora, vermelho por dentro. Naquele ano, trocou o seu antigo PV pelo PT. "Me filiei num momento de crise do partido. Quero ajudar o PT a sair dela", afirma.
"Quando cheguei do exílio [durante o regime militar], as pessoas comuns da Bahia, orgulhosas de Antônio Carlos Magalhães, diziam: ele rouba, mas faz. Essa combinação não é possível para o que o PT representa", diz. Assim explica sua saída do PV: "Achei que o partido tinha desenvolvido uma escoliose à direita".

EMERGÊNCIAS
O Emergências, sediado na Lapa, no Rio, lembrava um mini-Fórum Social Mundial. vendia-se artesanato indígena, e rodas discutiam "cannabis em Brasil" e "ancestralidade e poder feminino".
O encontro durou uma semana, discutiu temas como igualdade racial e direitos autorais e reuniu o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), os colunistas da Folha Gregorio Duvivier e Guilherme Boulos, a secretária do Sindicato de Mulheres Meretrícias da Argentina e um dos fundadores do Creative Commons, entre outros. Questionado se o evento tinha "escoliose à esquerda" e se isso poderia render críticas de inclinação ideológica, Juca reagiu: "Você está sendo parcial e preconceituosa".

BARRACO NO MUNICIPAL
O ministro opinou sobre a briga entre José Luiz Herencia (seu ex-assessor no MinC) e o maestro John Neschling, que resultou na exoneração do primeiro como diretor do Theatro Municipal de SP. Foi Juca, então secretário de Cultura, quem montou essa equipe.
"Música sinfônica precisa de política de apaziguamento de egos. Volta e meia você lê: alguém num balé da Rússia jogou ácido na cara do diretor..."


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