A primeira impressão que se tem de "Califórnia" é de que se trata de um filme-espelho. Marina Person selecionou para protagonizar seu primeiro longa de ficção uma atriz cujas feições evocam as suas e incluiu canções pop que fazem vibrar quem viveu os anos 1980, época em que se passa a história e em que a diretora era adolescente.
A escolha pelo personalismo é coerente com o percurso da cineasta, que estreou com "Person". Nesse documentário de 2007, lançou um olhar sobre a obra de seu pai, o diretor Luiz Sérgio Person, confiante de que o ponto de vista da intimidade familiar seria tão revelador quanto a apresentação objetiva do tema.
Aline Arruda/Divulgação | ||
Caio Horowicz vive JM, e Clara Gallo faz Estela, dois adolescentes dos anos 1980 no filme 'Califórnia', de Marina Person |
"Califórnia" também é um longa na primeira pessoa. A diretora explora as possibilidades não do autorretrato, mas do retrato a partir de si, e é cautelosa para evitar que o resultado seja comprometido pelo excesso de narcisismo.
Estela, protagonista de "Califórnia", pode coincidir em vários aspectos com a diretora, mas é, sobretudo, uma garota como milhões de outras.
O longa começa e termina com cenas sobre experiências femininas universais: a primeira menstruação e a primeira transa, momentos de descoberta e de perda, signo que reaparece ao longo do filme.
O retorno de Carlos, o tio-amigo com quem Estela sonhou passar as férias na Califórnia, representa o desaparecimento de tanta gente amada ou conhecida, vítimas da Aids naqueles tempos.
A paixonite por Xande e a aproximação com o estranho JM também culminam em situações de abandono e de partida. Em vez de reduzir Estela a uma projeção, a habilidade do filme está em apostar na perda como um sentimento universal e, assim, permitir que mesmo quem não viveu a época se identifique.
Outra vantagem está em filmar a juventude como experiência, não abstração. "Califórnia" não é um filme para jovens que parece saído de um manual de comportamento.
A escolha é certeira, pois permite atrair o interesse tanto de espectadores jovens como de nostálgicos, sem deixar a impressão de estar assistindo a um filme-brechó.