Folha de S. Paulo


Livro 'Sêneca e o Estoicismo' busca antídoto à paranoia de massa

Nos dias que se sucederam aos atentados do último dia 13, em Paris, multiplicaram-se pela cidade as cenas de correria desencadeadas por alarmes falsos de bombas e tiroteios. Apesar de os memoriais às vítimas estarem coalhados de cartazes em que se lê "nem um pingo de medo", o fato é que a capital francesa anda ressabiada.

O historiador francês Paul Veyne, 85, referência nos estudos da Antiguidade clássica, vai buscar nesse período um antídoto à paranoia de massa: o estoicismo advogado pelo filósofo Sêneca (4-65 d.C.), cujos preceitos ele apresenta em livro recém-lançado no Brasil, "Sêneca e o Estoicismo", pelo Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha.

"O estoicismo consiste em trabalhar a mente para libertá-la da escravidão de paixões, de infortúnios e temores", diz Veyne. "Pressupõe uma não conformidade com desígnios divinos, por meio da qual cada um afirma para si mesmo: 'Não tenho medo, não tenho mais medo, isso não importa, isso não existe'."

Para ele, essa vertente filosófica ganha relevo após os atentados de 13/11 por preconizar uma depuração de sensações extremas como o medo e o ímpeto de vingança. A "faxina" mental é pré-requisito para uma existência serena e feliz. "Pode não funcionar, mas o estoicismo diz: 'Tente'."

MONSTRUOSIDADE

Antes de destrinchar a doutrina, Veyne assina um preâmbulo biográfico sobre o pensador cordovês, que teve dias de glória em Roma. Ali, seus predicados literários foram reverenciados, e sua versatilidade –foi advogado, viticultor, senador, filósofo e protobanqueiro (grande emprestador)– rendeu dividendos polpudos.

Preceptor do imperador Nero e apologista da benevolência deste, Sêneca se viu em maus lençóis quando da guinada autoritária de seu pupilo. Dividido entre a lealdade ao governante e o desgosto com os rumos do império (expresso em linguagem sugestiva nas "Cartas a Lucílio"), o filósofo terminou seus dias recolhido da vida pública, burilando o próprio legado.

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"Ele entendeu o monstro que tinha diante de si. Mas não podia criticá-lo diretamente, daí essa educação moral de Lucílio por meio das 'Cartas', que deixam entrever o que ele de fato pensa", afirma Veyne.

De monstruosidades também trata a mais recente obra do historiador. Em "Palmyre, l'Irremplaçable Trésor" (Palmira, o tesouro insubstituível), ele retraça o apogeu da cidade síria que ficava no extremo leste do Império Romano e para a qual confluíam mercadores e viajantes de diferentes latitudes e costumes.

Declarada patrimônio da humanidade pela Unesco, Palmira tem sido seguidamente atacada pelo Estado Islâmico: monumentos foram dinamitados um após o outro.

"Querem cuspir na nossa cara", revolta-se Veyne. "Damos importância para outras coisas que não o islã, e isso é desprezível para eles. A questão é saber se a coalizão ocidental quer mesmo erradicar o Estado Islâmico, já que isso significaria forçosamente enviar tropas e perder soldados."

Intelectuais se perguntaram se a atração exercida pelo jihadismo sobre jovens franceses não teria a ver com dificuldades de inserção no mercado de trabalho experimentadas por eles (por preconceito racial ou religioso) e com a frustração de não se verem refletidos na identidade nacional.

"O extremismo não é fruto de um descontentamento legítimo", rechaça Veyne. "As raízes desse tipo de comportamento são sempre ideológicas, e não materiais."


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