Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Lindo, documentário sobre Chico Buarque é capaz de fazer chorar

Os músicos e o coro se postam num pequeno praticável. Silêncio absoluto. Surge Chico Buarque, que canta a magistral "Sinhá" (letra dele; melodia de João Bosco). Chico, os músicos, o coro e o sempre impecável arranjo de Luiz Cláudio Ramos prenunciam o que será a parte musical do filme: uma comoção atrás da outra.

Corte para Chico, que, em casa, sentado, fala a um entrevistador "invisível", no estilo do grande Fernando Faro. Está posta a receita do documentário "Chico - Artista Brasileiro", de Miguel Faria Jr, que estreia nesta quinta-feira (26). O fio condutor será a fala de Chico, interrompida por depoimentos, cenas históricas, documentos, interpretações de canções etc.

E logo surge um dos pontos altos das falas de Chico: o relato da sua convivência com o pai, o historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, cuja obra magna, "Raízes do Brasil" (publicada na década de 30), ainda hoje é leitura obrigatória para quem quer saber como se formou esta nação.

A comoção que esse relato provoca (é lindo vê-lo dizer que foi pela literatura que ele rompeu o muro que o distanciava do pai) acaba tomando conta de vez da relação entre o espectador e o filme.

São muitas as revelações (maduras, profundas, realistas) que Chico faz sobre o seu ofício, a sua vida pessoal, a sua relação com a ditadura e com o público. É particularmente marcante a fala sobre a consciência de que ele não pode fazer algo igual ou inferior ao que já fez.

O filme me levou às lágrimas muitas vezes. Para sessentões como eu, há ali um espelho, que reflete muito do que vivenciamos os que resistimos à ditadura e também os que temos algum senso estético (no sentido filosófico do termo).

Quer saber o que mais me comoveu? As mulheres do filme. O dueto Mart'nália/Adriana Calcanhoto em "Biscate" é delicioso. Bethânia, jovem, linda, cantando "Olhos nos Olhos", é uma preciosidade; a Bethânia de hoje, olhar hipnótico e fala doce, conta uma história sobre o que lhe disse Mãe Menininha a respeito da canção. Laila Garin abusa do talento em "Uma Canção Desnaturada"; a sublime Mônica Salmaso encanta com "Mar e Lua".

E Carminho... Deus meu! Canta "Sabiá" (de Tom e Chico) como ninguém jamais cantou e, com Milton Nascimento, dá tons divinais à magnífica "Sobre Todas as Coisas" (letra de Chico; melodia de Edu Lobo).

Ia esquecendo uma mulher: uma das netas de Chico, Clara, que ainda não é propriamente uma mulher. É comovente o que acontece entre avô e neta (com o auxílio luxuoso de outros netos). A beleza da cena é intensificada pela forte imagem das mãos do músico.

No fim do filme, além da pertinente "Paratodos", há muita ternura e delicada alegria, com o desvendamento do "mistério" que envolve o irmão alemão de Chico.

"Chico – Artista Brasileiro" é lindo. Já vi duas vezes. Veria sabe Deus quantas mais. Evoé, Chico! É isso.

CHICO – ARTISTA BRASILEIRO
DIREÇÃO Miguel Faria Jr.
PRODUÇÃO Brasil, 2015, 10 anos
QUANDO estreia nesta quinta (26)


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