Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Autorreferência em excesso torna longa iraniano 'Táxi Teerã' pesado

São admiráveis os esforços do cineasta iraniano Jafar Panahi para driblar a proibição de fazer filmes imposta pelo governo de seu país. Já os longas realizados após a proibição vêm se tornando cada vez menos admiráveis.

"Isto Não É um Filme" (2011), o primeiro deles, tinha a força da novidade e do realismo. Como fica claro desde o título, ali Panahi encarava a proibição, registrando seu cotidiano e seus pensamentos de cineasta interditado.

"Cortinas Fechadas" (2013), o seguinte, tinha uma proposta interessante, porém prejudicada pelo simbolismo raso e pelo excesso de autorreferências. E agora, "Táxi Teerã" (2015) leva esses problemas do anterior ao paroxismo e ao esgotamento.

Divulgação
Cenas do filme Taxi, do diretor iraniano Jafar Panahi. Foto: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Cenas do filme 'Taxi Teerã', do diretor iraniano Jafar Panahi

No novo filme, uma ficção que emula um documentário, Panahi dirige um táxi pelas ruas de Teerã, recebe diversos passageiros, entabula conversas com eles.

O resultado é menos um panorama da sociedade iraniana e mais um painel das obsessões do diretor. Por mais justas que sejam, elas se tornam cansativas ao longo do filme.

BAGAGEM

Cada personagem, cada diálogo, cada situação do longa tem um paralelo evidente na trajetória do cineasta (o problema, aqui, não é o "paralelo", mas o "evidente").

A sobrinha de Panahi, por exemplo, carrega uma câmera e diz que precisa fazer um filme escolar "exibível" –ou seja, aprovado pelas autoridades– para participar de um concurso (os filmes do cineasta não são considerados "exibíveis").

Um vendedor de DVDs piratas diz que faz uma "atividade cultural", porque faz circular filmes proi- bidos no Irã (Panahi foi preso anos atrás por sua coleção "obscena" de clássicos estrangeiros).

Duas senhoras carregam um aquário com dois peixinhos dourados –o animal que a menina de "O Balão Branco" (1995), primeiro sucesso internacional do diretor, buscava. Outros personagens citam nominalmente "O Espelho" (1995) e "Fora de Jogo" (2006).

A cada metáfora, a cada autocitação, o táxi de Panahi verga sob o peso da bagagem simbólica. E a combinação de ficção e documentário, que sempre marcou sua obra, torna-se menos delicada.

Mas nem por isso (ou talvez por isso mesmo) o filme deixou de ser apreciado: ganhou o Urso de Ouro no último Festival de Berlim e foi classificado como "obra-prima" por muitos críticos.

Isso leva a uma pergunta hipotética, sem resposta e, portanto, inútil: seria assim se Panahi não fosse um cineasta proibido?

Há quem diga que a obra de um artista melhora sob certas restrições, políticas inclusive. A tese havia ganho força com "Isto Não É um Filme", mas perdeu com "Cortinas Fechadas" e "Táxi Teerã".

As citações a "O Balão Branco" e "O Espelho" têm o efeito de nos fazerem recordar que a melhor parte da obra de Panahi foi feita sob liberdade. Por esse e por todos os outros motivos, esperamos que ela retorne logo.

TÁXI TEERÃ (Taxi)
DIREÇÃO Jafar Panahi
PRODUÇÃO Irã, 2015, anos
QUANDO em cartaz


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