Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Adaptação luso-brasileira de 'Os Maias' surpreende com charme

Trailer de "Os Maias - Cenas da Vida Romântica"

Do realizador português João Botelho, quando menos se espera, pode surgir algo interessante. Infelizmente, desde "Tráfico" (1998) suas obras vinham com um discreto cheiro de mofo.

A expectativa em relação a "Os Maias - Cenas da Vida Romântica", adaptação luso-brasileira do famoso romance de Eça de Queirós, era baixa.

Um drama histórico baseado em clássico da literatura representa sempre um risco maior para um diretor que gosta de andar na corda bamba. O fato de ter sido um sucesso de público, convenhamos, não anima muito.

Mas assim que vemos suas primeiras imagens, lembramos que João Botelho, em sua essência, é um seguidor de Manoel de Oliveira (1908-2015). Por mais que seja injusto comparar os dois cineastas, essa filiação, agora novamente reivindicada, é um alento.

Carlos da Maia (Graciano Dias) é um médico da alta sociedade lisboeta que vive de modo hedonista na companhia de seus amigos, principalmente João da Ega (Pedro Inês). A casa de sua família é conhecida como Ramalhete.

Divulgação
A atriz Maria Flor, em cena do longa 'Os Maias' ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
A atriz brasileira Maria Flor em 'Os Maias'

Carlos se mete em escândalos amorosos como um típico bon vivant da época. Até que se apaixona por Maria Eduarda (a brasileira Maria Flor), sem saber quem de fato ela é.

Para evitar altos custos de produção, os cenários são feitos com pinturas rudimentares, representando de maneira onírica e charmosa a Lisboa do século do romantismo.

Em alguns momentos, esse recurso é utilizado de modo extremamente feliz, como nos passeios pelas ruas, na viagem ao Douro ou na corrida de cavalos, quando vemos um gigantesco painel com pinturas de pessoas da época.

O artificialismo cai bem ao filme. A narração insistente, além de emular a prosa do escritor, funciona como um comentário, por vezes irônico, das tramas que envolvem a família Maia.

A frontalidade incisiva remete ao teatro. Mas Botelho não se contenta em fazer apenas teatro filmado, como no irregular "Quem És Tu?" (2001). O interesse maior é o tom solene da dramaturgia, e as posições de câmera se encarregam de fazer com que o resultado seja puro cinema.

Com enquadramentos requintados, que revelam composições visuais bem acima da média atual, e uma sensível influência do notável "Mistérios de Lisboa" (2010), de Raul Ruiz, "Os Maias" surpreende.

É um dos filmes mais fortes do diretor e uma das estreias mais animadoras deste fim de ano.

OS MAIAS - CENAS DA VIDA ROMÂNTICA
DIREÇÃO João Botelho
ELENCO Graciano Dias, Maria Flor e João Perry
PRODUÇÃO Portugal/Brasil, 2014, 14 anos
QUANDO em pré-estreia


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