Folha de S. Paulo


Bond tenta se adaptar à nova moral de Hollywood para se manter relevante

Qual a relevância, nos dias de hoje, de um espião criado na Guerra Fria e que basicamente pode ser resumido como um assassino machista?

O oponente contemporâneo do 007 nos cinemas não é nenhuma organização terrorista, mas vem sob a forma de super-heróis e meninas que enfrentam jogos vorazes –campeões de bilheteria.

No universo escapista desses rivais, Bond soa verossímil demais. E incorreto demais para os padrões de moralidade do novo herói hollywoodiano, que não bebe e não transa por transar.

Do outro lado do front há um Bond que precisou ficar mais realista para sublinhar as diferenças com os heróis fantasiados: o 007 de Daniel Craig, o mais humanizado de todos, é capaz de se apaixonar, tem um passado, teve família –aspectos ignorados na versão clássica do espião.

Reformulação é natural à saga que existe desde 1962 e cujos 24 filmes já arrecadaram US$ 6 bilhões no mundo todo. A readequação do agente secreto ficou mais marcante a partir da década de 1970, quando o medo da bomba atômica, tônica dos primeiros filmes, havia cedido um pouco.

Em 1973, a estética de "Com 007 Viva e Deixe Morrer" flertou com o "blaxploitation", gênero de ação com atores negros inaugurado por "Shaft" dois anos antes. Em 1979, Bond teve de ser lançado ao espaço em "007 Contra o Foguete da Morte" para fazer frente ao êxito do primeiro filme "Star Wars", de 1977.

Em 2002, chegaram aos cinemas tanto o elogiado "A Identidade Bourne", de Doug Liman, que redefiniu o gênero dos filmes espionagem ao valorizar o realismo, quanto a 20ª aventura de Bond, "007: Um Novo Dia para Morrer", longa de trama estapafúrdia, com direito a carro invisível.

CONTRA SUPER-HERÓIS

O lançamento de "007 - Cassino Royale", quatro anos depois, foi saudado como um aceno ao realismo. "007 Contra Spectre" coroa o processo todo, mas já se discute que cara pode ter um novo Bond –um ator negro, talvez?– num cenário em que blockbusters são cada vez mais dependentes do desempenho fora do eixo EUA-Europa Ocidental para compensar seus altos custos de produção.

No Brasil, por exemplo, o anterior "007 - Operação Skyfall" (2012), maior bilheteria mundial da história de Bond, perdeu para os super-heróis de "Vingadores", "O Espetacular Homem-Aranha" e "Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge".

"007 Contra Spectre" já registrou a maior abertura da história do Reino Unido: £ 63,8 milhões (cerca de R$ 373 milhões) em sete dias. Mas vai ter de provar que o herói britânico 007 não é só para inglês ver.

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LICENÇA PARA TUMULTUAR Novo espião vem embalado em controvérsias

Daniel Craig sincerão

Em entrevistas para promover "Spectre", Daniel Craig andou dando sinais de que está esgotado. "Preferia cortar os pulsos a interpretá-lo mais uma vez", disse o ator que, ainda assim, continua cotado para ao menos mais um filme da franquia. Sexto a interpretar o personagem, Craig também sempre foi uma das escolhas mais polêmicas para o papel: já foi criticado por ser musculoso, por ser mais rude e até por ser muito loiro para o papel. Quando perguntado sobre um eventual substituto, respondeu: "Não estou nem aí", usando na frase um sonoro palavrão.

Todas as formas de Bond

Aventado como uma possibilidade para substituir Craig no papel, o ator negro Idris Elba foi desaprovado por Anthony Horowitz, escritor de livros do personagem, que o chamou de "muito rua, muito grosseiro" para viver Bond. O ex-007 Roger Moore também teve que se explicar ao defender um ator "inglês-inglês" em entrevista à revista francesa "Paris Match" e culpou erros de tradução pela interpretação equivocada. Na internet também se fala numa eventual Jane Bond. Outro ex-007, o ator Pierce Brosnan, deu apoio a uma versão gay do agente: "Claro. Por que não?".

A música não "pegou"

Incumbido de suceder Adele na nova música-tema, uma das marcas da franquia 007, Sam Smith não empolgou: o vocal de sua "The Writing's on The Wall" foi tachado de prepotente e a letra, sobre vulnerabilidade masculina, tida como incompatível com a imagem de James Bond. Em listas na rede, a canção aparece como uma das piores de toda a franquia. "Fui muito ingênuo, achei que todos fossem amar, mas com os fãs de Bond isso é impossível", disse o cantor de 23 anos, vencedor de quatro prêmios Grammy neste ano e mais conhecido pelo soul grudento "Stay with Me", do ano passado.

A propina mexicana

A trama de "007 Contra Spectre" começa no México, em pleno Dia dos Mortos. E-mails vazados da Sony apontam que o governo mexicano concedeu cerca de US$ 20 milhões (cerca de R$ 76 milhões) em incentivos fiscais à produção do filme para promover uma imagem boa do país. Entre as exigências mexicanas ao roteiro, todas topadas pela Sony, estariam: retratar os prédios modernos do horizonte da capital e vetar um vilão mexicano. Executivos da Sony não comentaram o assunto ao site "Taxanalysts", que publicou o teor dos e-mails.

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Confira especial da Folha sobre 007 e as Bond girls

Editoria de Arte/Folhapress
007 - As Bond girls
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