Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Naturalismo de 'Boi Neon' traz a estética mestiça ao olhar de fora

Um vaqueiro viril tem como sonho costurar roupas. Uma mãe pouco delicada dirige o caminhão que conduz a trupe sertão adentro. Se a inversão de papéis tradicionais desperta curiosidade, isso pode chamar mais a atenção do que o necessário para as outras qualidades de "Boi Neon".

A respeito do jogo de estereótipos, o diretor Gabriel Mascaro foi preciso numa entrevista à Folha durante o Festival de Veneza: "Não é bem uma inversão, mas uma dilatação dos gêneros".

A estratégia mais evidente de "Boi Neon" consiste em percorrer uma realidade e registrar o que muda sem deixar de perceber o que permanece. Em suma, fazer ver sem idealizar a modernização e os arcaísmos que se sobrepõem no Brasil profundo e sem opor, de modo folclórico, esse mundo ao das grandes cidades.

Mascaro obtém isso aplicando sua experiência como documentarista no registro da expressividade dos gestos, no realce da dicção e do vocabulário, e no modo direto como representa a sexualidade.

Divulgação
Cena do brasileiro
Juliano Cazarré em cena do brasileiro "Boi Neon"

Ao mesmo tempo, o uso recorrente da câmera fixa em planos de longa duração reafirma o papel da encenação para nos permitir sentir o que parece espontâneo.

Conjugado com esta dilatação dos significados e dos ritmos, o trabalho físico dos atores insere um naturalismo essencial ao filme. Naturalismo no sentido de reaproximação entre homem e natureza, na interação com lama e fezes, na contiguidade e na continuidade dos corpos.

Se a associação entre vaqueiros e bois dispara interpretações sociológicas, Mascaro prefere deixá-las se apresentar sem ênfase, ao mesmo tempo que propicia o prazer metafísico do cinema na contemplação da beleza rude, no fascinante trabalho da luz.

A estética mestiça permite capturar o olhar estrangeiro, usá-lo para catapultar a carreira internacional do filme, que apenas teve início com o prêmio do júri em Veneza. Afinal, nossa lógica de aceitação continua a ser condicionada pela validação externa.

É comum ler na imprensa estrangeira observações sobre como os filmes brasileiros de hoje se parecem demais com os americanos, parisienses ou tailandeses, e pouco com a ideia que eles fazem do Brasil.

Com astúcia e sem concessões, "Boi Neon" retoma a estrutura narrativa de "road movie" de "Bye Bye Brasil", filme com que a geração do cinema novo se despediu de seu país, para dizer ao público global: "Welcome to Brazil".

BOI NEON
DIREÇÃO Gabriel Mascaro
PRODUÇÃO Brasil/Uruguai/ Holanda, 2015, 16 anos
MOSTRA qua. (4), 13h30, Espaço Itaú de Cinema - Frei Caneca 2


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