Folha de S. Paulo


Tréplica: Mostra 'espetacular' reflete a linguagem da cultura brasileira

Desrespeitar o público é deixar de ouvir a sua vontade. Existem poucas instituições tão plurais como o CCBB, com uma programação democrática e representativa do amplo espectro de interesses da sociedade. O CCBB pode e faz, ao mesmo tempo, exposições como as de Kandinsky, Patricia Piccinini, "Castelo Rá-Tim-Bum" e Iberê Camargo.

É essa pluralidade que define sua importância no cenário cultural brasileiro. E criar público é permitir que alguém que se aproximou da arte por algo com o qual se identificou desperte os sentidos para novas experiências estéticas. Além de um modo excelente de se criar pontes, essa é uma estratégia posta em prática por qualquer espaço cultural de relevância do mundo.

A catraca é, sim, importante critério de avaliação do uso do recurso público, inclusive um dos critérios do Ministério da Cultura. Se no dia da abertura milhares compareceram, é porque há na mostra algo que importa a esses contribuintes e o investimento do recurso público foi, portanto, melhor justificado.

Mais: se são obras de uma artista reconhecida com o maior prêmio das artes visuais de seu país (caso da australiana Piccinini), ajudando a estabelecer uma ponte com um território com o qual o Brasil tem pouco intercâmbio cultural, tanto maior a justificativa. Se além disso o evento tem um excelente projeto pedagógico, que consegue extrair conceitos multidisciplinares de uma exposição de artes visuais para falar de genética, mecânica, história da arte e da ciência, mais justificável ainda o uso desse recurso.

O melhor critério que utilizamos para avaliar o real impacto do nosso trabalho sobre o público é mensurar sua capacidade de reter memória sobre exposições do passado.

Quando fiz a mostra de Tino Sehgal, depois convidamos o público para descrever aquela experiência supersubjetiva em diários narrativos e individuais. Tudo foi documentado. Em "Invento", que acabei de realizar na Oca, as sessões de psicanálise propostas por Pedro Reyes deixaram um registro primoroso da densidade humana do que estamos alcançando, para além da catraca livre e gratuita de todos os projetos que realizo.

Acho que Fabio Cypriano se incomoda com a escala das mostras que faço. Sim, gosto de fazer coisas grandes, "espetaculares" como ele diz, porque o abismo neste país continental é enorme e a linguagem da cultura brasileira é em parte a do espetáculo. De Zé Celso a Suassuna, o Brasil adora o grandioso. E uma das nossas qualidades são as pessoas que prezam pela tolerância e respeitam a diferença de pontos de vista.


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