Folha de S. Paulo


Nos 1990, quatro editoras francesas rejeitaram livro de Svetlana

Tradutora na França da maior parte da obra da jornalista russa Anna Politkóvskaia (1958-2006), Galia Ackerman, 67, é também uma das principais responsáveis pela difusão danova Nobel da Literatura, Svetlana Alexievich, no país.

Ainda no final dos anos 1990, a tradutora e escritora fez uma via-crúcis para publicar "Vozes de Chernobil", título de 1997 da Nobel bielorrussa, que foi rejeitado por nada menos que quatro editoras francesas.

"Não apenas escolhi o livro que eu queria traduzir dela, mas passei um bom tempo tentando fazê-lo cair no gosto dos editores. Quatro o rejeitaram, até que encontrei uma que o aceitou", disse Ackerman em entrevista por telefone à Folha.

De origem russa, a tradutora, que vive há 30 anos na França, é secretária-geral no país da organização Fórum Europeu pela Ucrânia e responsável pela tradução francesa de inúmeros autores dissidentes de língua russa.

Apesar disso, ela faz questão de ressaltar que não trabalha apenas com opositores –tem entre seus autores o pop Víktor Pêlevin e a escritora de romances policiais Aleksandra Marínina.

Reuters
Belarussian writer Svetlana Alexievich is seen during a book fair in Minsk, Belarus, in this February 8, 2014 file photo. Alexievich won the 2015 Nobel Prize for Literature, the award-giving body announced on October 8, 2015. REUTERS/Stringer/Files TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: GDY386
A autora Svetlana Alexievich, vencedora do prêmio Nobel de literatura

"Nunca trabalhei para nenhum regime. Mas se são obras politicamente neutras, apenas literatura, traduzo. Em parte, porque é divertido. Um tradutor também precisa de trabalho que lhe gere renda para viver", diz.

Entre suas traduções, estão as versões francesas das memórias do ex-líder soviético Mikhail Gorbatchov (1985-91), de quem se tornou amiga; da obra do oposicionista Dmítri Bíkov, um dos porta-vozes dos protestos que varreram o país a partir de 2011; e do crítico social Aleksandr Zinôvev (1922-2006).

Ackerman também criou na França uma coleção chamada "Ovelha Negra", com testemunhos de dissidentes de diversos países: Rússia, China, Irã etc.

"Nessa coleção, traduzi Zara Murtazalieva, jovem tchetchena que passou quase nove anos em uma prisão russa por um caso de terrorismo inventado contra ela após um atentado em Moscou, onde ela era universitária. Só em 2012 ela foi libertada, e agora é refugida política na França", conta.

RESFRIAMENTO

Ackerman afirma, porém, que a nova Nobel não faz parte desse grupo de escritores dissidentes. "Só nos últimos tempos ela se expressou contra Pútin, por exemplo."

A tradutora diz que a autora não participou dos movimentos de oposição de 2011 e 2012 na Rússia e em Minsk, que teve entre os participantes vários escritores. "Ela [Svetlana] diz que os escritores não devem ir às barricadas e que não vê nisso nada de bom."

Sua crítica aberta à Nobel, porém, gerou um resfriamento nas relações das literatas durante a tradução de "U Voini ne Jenskoie Litso" (a guerra não tem um rosto feminino, também sem tradução no Brasil), que saiu em 2004 na França.

Na época, Ackerman questionou o fato de nenhuma das mulheres entrevistas no livro citar o destino dos judeus, massacrados no Holocausto.

Jonathan Nackstrand/AFP
Books of Belarussian writer Svetlana Alexievich translated in different languages are on display at the Swedish Academy in Stockholm, where she was announced winner of the 2015 Nobel Prize in Literature on October 8, 2015. AFP PHOTO / JONATHAN NACKSTRAND ORG XMIT: 4431
Livro de Svetlana Alexievich traduzidos em diversos idiomas

"Foi um momento complicado na minha relação com Svetlana. Em determinado ponto da tradução, eu disse: 'Que estranho não haver nenhuma mulher neste livro enorme que fale sobre o destino dos judeus em Belarus!'

Apesar da constatação, Ackerman reconhece a importância da obra de Svetlana, inclusive para que o leitor ocidental possa compreender a Rússia e as ex-repúblicas soviéticas.

"Talvez ninguém tenha descrito de maneira tão completa e multifacetada o homem soviético que sobreviveu ao regime e continua a compor a população da Rússia como Svetlana", diz.


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