Folha de S. Paulo


Filmes de ação vivem 'boom' no Brasil, mas ainda não ultrapassam comédias

Ara é o líder de uma gangue de bem armados motoqueiros que disparam pelas estradas fugindo de um bandido implacável. Do tipo calado, quando abre a boca solta um "tua vida está é nas mãos de Deus", denunciando um sotaque nordestino.

É Cauã Reymond, jaqueta empoeirada e metralhadora em punho, quem interpreta essa espécie de Mad Max do sertão em "Reza a Lenda", de Homero Olivetto, previsto para estrear em janeiro de 2016.

O filme irá engrossar a prateleira de um dos filões favoritos do brasileiro: o de ação, gênero que originou o longa nacional mais visto da história ("Tropa de Elite 2", assistido por 11,2 milhões de pessoas nos cinemas em 2010).

Na quinta (15), estreou "Operações Especiais", de Tomás Portella, com Cleo Pires como a integrante de um grupo de policiais incorruptíveis encarregados de resolver a onda de crimes numa cidade fictícia do Estado do Rio. E ao menos outros dois longas de ação devem entrar no circuito em breve: "Terroristas", também de Portella, e "Espírito Santo", de Caco Souza.

Predileção à parte, o gênero engatinha no país com os altos custos de sua produção.

Orçado em R$ 4,9 milhões (porte de filme médio) e rodado entre Bahia e Pernambuco, "Reza a Lenda" terá 500 efeitos especiais, diz o diretor. De apagar digitalmente um poste a cena de capotamento.

Dificuldades em rodar um longa de ação à brasileira? Olivetto resume: "O difícil não é fazer uma explosão acontecer, mas se planejar para que as filmagens não parem enquanto alguém a prepara. O que não temos, mas que os americanos têm, é o tempo".

"E 'know-how'", completa Portella, de "Operações Especiais", que foi assistente de direção da superprodução internacional "O Incrível Hulk" (2008), rodada em parte no Rio de Janeiro.

A equipe lançou mão de algumas gambiarras em "Operações". Em vez de gastar tempo treinando figurantes, escalaram oficiais de verdade. Dublê negro para substituir Fabrício Boliveira? Não havia.

Portella reservou um terço das filmagens para só 5% das cenas, as de ação. "Tinham que ser bem feitas. O valor do ingresso é o mesmo, e a sala ao lado terá um filme americano."

O filme de ação vive no Brasil uma charada dura de matar: se por um lado é apontado como o gênero de preferência nacional; por outro, salvo em casos extraordinários (como no fenômeno "Tropa de Elite' ), ele dificilmente bate a marca de 1 milhão de público, feito fácil para as comédias.

No ano passado, pesquisa encomendada pela RioFilme apontou que 24% dos cariocas têm nos longas cheios de explosões, tiros e perseguição o seu gênero favorito –contra 22% para os cômicos. Mas o último filme do tipo a ultrapassar a fronteira do milhão de espectadores foi "Assalto ao Banco Central", em 2011.

"O público nacional já tem confiança na comédia, mas o filme de ação ainda precisa romper essa barreira: o brasileiro gosta, mas só está acostumado às produções internacionais", diz Rodrigo Castellar, produtor de "Operações Especiais", que estreou na última quinta (15) com Cleo Pires no papel de policial.

Dirigido por Tomás Portella, a obra fez 137 mil de público no primeiro fim de semana em cartaz. Número bom, mas menos de um quarto do que atraiu "Vai que Cola" no mesmo período de estreia.

Para Sérgio Sá Leitão, ex-secretário de Cultura da capital fluminense e ex-presidente da RioFilme, a comparação não tem de ser feita com as comédias –produzidas em número compatível com a demanda da audiência–, e sim com os dramas autorais. Quase um terço da produção brasileira, eles representam só 4% da preferência do público, segundo a pesquisa.

BRONSON CABRA MACHO

Agora atuando como produtor, Sá Leitão diz que põe o estudo em prática: um de seus quatro filmes é o de ação "Espírito Santo", com direção de Caco Souza ("400 Contra 1").

Previsto para 2017, o projeto se inspira no escândalo da máfia de sentenças no Estado capixaba. "O 'Tropa de Elite' mostrou que o diferencial do filme de ação brasileiro talvez seja embutir elementos de realismo social", diz Sá Leitão.

Portella, de "Operações Especiais", já está cotado para outra obra do gênero, chamada "Terroristas", sobre universitários que montam um comando anticorrupção. "Tem tudo a ver com o momento atual", afirma o diretor.

"Reza a Lenda", de Homero Olivetto, que sai em janeiro, vai para o "realismo sertanejo". Cauã Reymond, Jesuíta Barbosa e Sophie Charlotte são motoqueiros rebeldes numa espécie de caatinga punk.

"Queria um herói pop do sertão, com a nossa cultura: sotaque, cangaceiro, padre messiânico", afirma Olivetto.

A semente do projeto, conta o diretor paulista, veio do avô sergipano: "Ele era fã do Charles Bronson, dizia que era muito cabra macho. Essa mistura me pareceu interessante".

ESPECTADORES DOS FILMES DE AÇÃO

"Tropa de Elite" (2007)
2,4 milhões

"Salve Geral" (2009)
317 mil

"Tropa de Elite 2" (2010)
11,2 milhões

"Segurança Nacional" (2010)
285 mil

"400 Contra 1" (2010)
127 mil

"Assalto ao Banco Central" (2011)
1,9 milhão

"2 Coelhos" (2012)
336 mil

"Alemão" (2014)
955 mil


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