Folha de S. Paulo


Conheça a história de três artesãos que emprestam suas mãos a grifes

Editoria de Fotografia
Folha entra nos ateliês de quatro marcas e mostra percurso da roupa até desfile; veja os ensaios
Folha entra nos ateliês de quatro marcas e mostra percurso da roupa até desfile; veja os ensaios

Por trás de máquinas de costura, linhas e agulhas, dezenas de artesãos emprestam suas mãos habilidosas a marcas de grife que desfilam nesta semana na 20ª edição do São Paulo Fashion Week. Conheça abaixo a história por trás de três desses costureiros.

Simone Barbosa - Ateliê Fernanda Yamamoto

Todos os dias, a costureira Simone Barbosa faz uma viagem de duas horas desde sua casa, em Guaianases, na zona leste de São Paulo, até o ateliê da estilista Fernanda Yamamoto, na Vila Madalena.

Mas ela não perde o estilo: em uma quinta-feira ensolarada, Simone cobre os ombros com um bolero rendado, volumoso, cor-de-rosa bebê. Por baixo, um pretinho básico, feito por ela mesma.

"Uso muito bijuterias, mas hoje não estou porque o 'look' não combina", diz. Para decorar, apenas um relógio de alça fina, enfeitado com pequenas pedras brilhantes.

Simone é uma das costureiras-piloto do ateliê onde trabalha há quatro anos. Ela não revela sua idade, que diz ser "segredo de Estado", mas diz que já tem 25 anos de profissão.

"Brinco que já nasci costurando, porque meu pai era alfaiate, então aprendi cedo. Em casa, assistia ao programa da Xuxa e copiava as roupas das 'paquitas' para minhas bonecas", conta.

Até hoje, ela faz as próprias roupas. "Chego nos lugares e sou diferente, exclusiva. Não gosto da moda popular, aquela coisa de 'fast', sabe? Todo mundo igual."

A costureira é a mais velha de seus 11 irmãos –a caçula tem 14 anos. Hoje, Simone é solteira. "No momento, gosto de estar livre, nada de casamento." Filhos? "De jeito nenhum. Já criei os meus, e nem tive que sentir dor", diz ela, rindo.

Diego Gama - Ateliê Fernanda Yamamoto

Nas mãos de Diego Gama, 21, pedaços avulsos de lã rosa, amarela e azul vão sendo cuidadosamente entrelaçados, alguns na vertical, outros na horizontal. "No final, vai ficar assim", diz ele, mostrando um casaco largo de tecido multicolorido.

A escolha pela moda não foi óbvia na vida do jovem, que atualmente é membro da equipe de criação do ateliê da estilista Fernanda Yamamoto. Sua mãe foi jogadora de basquete por 23 anos; seu pai foi técnico e, hoje, é árbitro. Ele mesmo praticou o esporte profissionalmente até os 16 anos, em São José dos Campos (SP).

"Quando disse que iria fazer moda, a princípio, meu pai não gostou, mas também não impediu."

A voz baixa e o jeito doce de falar de Diego contrastam com seu visual –uma espécie de releitura fashion de um uniforme de basquete: uma blusa preta larga, decorada por um colar metálico geométrico, e uma calça estampada volumosa, deixando à mostra o tênis esportivo.

"Adoro parecer estranho, acho muito mais legal do que passar despercebido", conta.

Em um pequeno jardim, ao fundo da loja da estilista, na Vila Madalena, cinco peças rendadas, em diferentes tons de laranja-terra, descansam no chão, ao ar livre.

"Demorei um dia todo para tingir esse look. Ele todo segue um degradé, que vai de cima da blusa até o fim da calça", explica.

Diego está acostumado às peças trabalhosas: em uma coleção passada, fez uma série de 60 em que cada uma demorava seis horas para ser produzida.

O aspirante a estilista está prestes a entregar seu trabalho de conclusão de curso na faculdade Santa Marcelina.

Com entusiasmo, ele fala sobre a coleção, pensada e produzida por ele: "Estou brincando com os materiais, tem roupas de silicone, esculturas de fibra de vidro. Quero flertar com outras áreas, não quero criar roupa a partir de roupa, isso não me anima. Quero fazer coisas novas."

Cesar Patzy - Giuliana Romanno

Ao entrar no ateliê da estilista Giuliana Romanno, em Pinheiros, o primeiro idioma que se escuta é o espanhol. Enfileirados em pequenas mesas, como se estivessem em uma sala de aula, três costureiros bolivianos conversam em voz baixa enquanto manuseiam com habilidade suas máquinas de costura.

Do fundo do ateliê, se aproxima Heriberto Cesar Patzy, 30. De sapato social e camisa vinho, coberta por um colete escuro, o boliviano se apresenta sorridente como responsável pela alfaiataria –um dos carros-chefe da marca.

Cesar, como é conhecido desde a infância, na capital La Paz, tem a moda no sangue: seu pai era modelista, sua mãe costurava e seus dois irmãos mais velhos seguiram no ramo, um como costureiro e outro como comerciante de roupas.

"Sempre fui curioso. Quando meu pai estava na mesa trabalhando, pedia para ele me ensinar. Um dia ele perdeu a paciência e deixou", conta. Cesar tinha dez anos na época e, desde então, começou a ajudá-lo.

Sob protestos da mãe, aos 19 anos, após concluir os estudos, ele decidiu vir para São Paulo para, assim como grande parte de seus conterrâneos, trabalhar em oficinas.

Com forte sotaque, ele recorda o choque diante da nova língua. "Olhava as placas que diziam: borracharia", diz ele, às gargalhadas. "'Borracho' para mim era bêbado. Foi difícil aprender o idioma."

Cerca de um ano depois de sua chegada, a sorte e o talento levaram Cesar ao ateliê do estilista Reinaldo Lourenço, com quem trabalhou por quase sete anos.

Hoje, além de trabalhar em oficinas de grife, ele também tem seu próprio ateliê, no bairro do Socorro, onde presta serviços a outros estilistas.

Diego não é casado nem tem filhos. "Não me acho maduro ainda, é muita coisa pra aprender, quem sabe um dia. Hoje estou focando no trabalho", diz ele.

Quando a conversa completa vinte minutos, ele é chamado de volta às tarefas da oficina, se despede sorridente e agradece. "Nunca tinha dado uma entrevista".


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