Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Vencedora do Nobel diz ser porta-voz dos 'humilhados'

Svetlana Alexievich, 67, estava passando roupa em seu pequeno apartamento em Minsk (capital de Belarus) quando recebeu a ligação da Suécia e soube que ganhou o Nobel de Literatura.

Logo sentiu, confessa, a presença das "sombras dos grandes escritores russos" vencedores do prêmio (eram cinco antes dela). Autores da literatura à qual ela pertence como escritora e, também, como porta-voz dos "humilhados e ofendidos".

Svetlana, que nasceu em 1948 na União Soviética e sempre escreveu em russo, atualmente vive em Belarus.

Reuters
Belarussian writer Svetlana Alexievich is seen during a book fair in Minsk, Belarus, in this February 8, 2014 file photo. Alexievich won the 2015 Nobel Prize for Literature, the award-giving body announced on October 8, 2015. REUTERS/Stringer/Files TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: GDY386
Escritora bielorrussa Svetlana Alexievich vence o Nobel de literatura

Seu primeiro livro, "War's Unwomanly Face" (a guerra não tem uma face feminina), foi escrito em 1983, proibido pela censura soviética e editado dois anos depois, logo no início da Perestroika.

Em seguida, a obra se tornou um dos best-sellers incontestáveis da nova época: sua tiragem chegou a dois milhões de exemplares.

No mesmo 1985, Alexievitch publicou mais um livro sobre a Segunda Guerra. "The Last Witnesses" (as últimas testemunhas) é composto de relatos de crianças que passaram pelo conflito.

No foco da terceira obra, "Zinky Boys" (os meninos de zinco), de 1989, também está a narrativa de guerra –desta vez a do Afeganistão.

"Voices from Chernobyl" (vozes de Chernobil), de 1997, é dedicado à catástrofe atômica nos tempos de paz.

Jonathan Nackstrand/AFP
Books of Belarussian writer Svetlana Alexievich translated in different languages are on display at the Swedish Academy in Stockholm, where she was announced winner of the 2015 Nobel Prize in Literature on October 8, 2015. AFP PHOTO / JONATHAN NACKSTRAND ORG XMIT: 4431
Livros de Svetlana Alexievich traduzidos em diferentes línguas; no Brasil, escritora continua inédita

Em "Second-Hand Time" (tempo de segunda mão), publicado em 2013, é a quinta obra que conclui o ciclo trágico intitulado pela escritora de "Vozes de Utopia".

As obras de Alexievich pertencem à literatura documental, como ela própria diz: "Escolhi o gênero de vozes humanas... É nas ruas que procuro enxergar e escutar meus livros. Pessoas reais contam os acontecimentos principais de sua época: a guerra, o desmoronamento do império soviético, Chernobil. Por meio das palavras, tece-se a historia do país, a história comum. A nova e a antiga. E cada pessoa grava a história de seu pequeno destino humano".

LUTUOSO

A bielorussa diz que leva de quatro a sete anos para escrever um livro. "Encontro-me com 500 a 700 pessoas, converso com elas e gravo seus relatos. Minha crônica abrange dezenas de gerações."

Ela começa com narrações de pessoas que se lembram das revoluções e passaram por guerras e campos de concentração de Stálin. Chega, então, aos dias de hoje –quase cem anos depois. "É a historia da alma russo-soviética, de uma grande e terrível utopia. A ideia do comunismo não morreu apenas na Rússia, mas no mundo inteiro", diz.

Mas essa ideia, afirma, "continuará a tentar diabolicamente atrair muitas mentes. E eu queria deixar os relatos de testemunhas e participantes dessa história".

As vozes de centenas de "pequenos homens" (personagem predileta da literatura clássica russa) unem-se num coro potente e lutuoso. E a força do testemunho documental é tal que obriga o leitor a sentir essa história trágica como se fosse a experiência de sua própria vida.

Confira outros vencedores do Nobel em 2015

Prêmio Nobel

ELENA VÁSSINA é professora de literatura e cultura russa da USP. Nascida na URSS, organizou "Os Últimos Dias - Liev Tolstói".


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