Folha de S. Paulo


Única peça de Milan Kundera tem sua primeira adaptação brasileira em SP

Milan Kundera dedicou-se uma única vez ao teatro. Em 1971, cerca de uma década antes de escrever seu romance mais célebre, "A Insustentável Leveza do Ser", aventurou-se pela farsa em "Jacques e Seu Amo".

A experiência pode ser conferida pela primeira vez no país a partir desta sexta-feira (9), quando estreia uma montagem da peça, com direção de Roberto Lage.

Trata-se de uma adaptação do autor tcheco a um dos romances mais populares do século 18, "Jacques, o Fatalista, e seu Amo", do francês Denis Diderot. "Há 15 anos quero montar esse texto, que condensa a obra original mantendo toda a sua essência", afirma o diretor.

A comédia mostra o comportamento politicamente incorreto de Jacques e seu amo. Mais do que criado e patrão, são parceiros. O primeiro tem influência. O segundo, poder.

A dupla, vivida por Hugo Possolo (Jacques) e Edgar Bustamante, conta suas desventuras enquanto viaja não se sabe de onde e nem para onde. Sensibilidade não os falta, mas, como eles mesmo dizem, preferem guardá-la para ocasiões especiais. "Aqueles que desperdiçam sensibilidade a torto e a direito ficam sem quando precisam", defende Jacques em cena.

"Jacques parte do arquétipo clássico do serviçal que se sobrepõe ao amo pela astúcia. Representa a inteligência popular, e seu espírito de sobrevivência se contrapõe à polidez dos nobres", diz Possolo.

Encontros e desencontros amorosos são narrados e revividos em ritmo acelerado, na medida em que a dupla se depara com uma série de personagens ao longo do caminho, entre eles uma taberneira tagarela e a Marquesa da Pommeraye (ambas interpretadas por Renata Zhaneta).

A incursão de Kundera no teatro tem o claro objetivo de entretenimento. Mas, como na obra de Diderot, diversão não desvalida reflexão.

Kundera quebra constantemente a ação, muitas vezes para rir de si mesmo –os protagonistas questionam sucessivamente o talento do autor. O restante da humanidade também não sai ileso.

Se em "Jacques, o Fatalista, e seu Amo" Diderot faz um retrato das relações sociais em transformação na França pré-revolucionária, em sua versão da obra Kundera sublinha a hipocrisia e o individualismo exacerbado do homem.

Possolo serve-se de Jacques para "enfrentar o moralismo tacanho que não compreende a importância da arte na mudança dos valores na sociedade".

Zhaneta complementa: "Estamos vivendo tempos de tantas contradições e tapamos os olhos para tudo em nome de um 'politicamente correto' que leva para onde?".

Como diz Jacques ao seu amo em cena: "O senhor sabe para onde vamos?"

JACQUES E SEU AMO
QUANDO qui. a sáb., às 20h, dom., às 19h; até 13/12
ONDE Centro Cultural Banco do Brasil, r. Álvares Penteado, 112, tel. (11) 3113-3651
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO 14 anos

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RAIO-X O escritor Milan Kundera

1º.set.2014/Efe
GRA204. MADRID, 01/09/2014.- Fotografía facilitada por la editorial Tusquets del escritor checo Milan Kundera cuya última novela
O escritor tcheco Milan Kundera

Idade: 86 anos

Nacionalidade: Tcheco (Brno, na antiga Tchecoslováquia), nacionalizado francês em 1981

Livros importantes

> "A Vida Está em Outro Lugar" (1973)

> "O Livro do Riso e do Esquecimento" (1978)

> "A Insustentável Leveza do Ser" (1984)
Seu livro mais famoso, foi publicado em 68 países e virou filme com Juliette Binoche e Daniel Day-Lewis em 1988. No Brasil, foi publicado em 1985 pela Nova Fronteira; hoje é editado pela Companhia das Letras


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