Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Programe-se: semana na TV tem 'Diabo Veste Prada' e 'Argo'

SEGUNDA-FEIRA (5)

Na sociedade do espetáculo, lembra Guy Débord, a experiência é substituída pela representação, pela contrafação. É como que uma degeneração quase imperceptível das condições de experiência por aqueles que são seu objeto.

Somos nós esse objeto, sem dúvida. Mas isso se manifesta por meio dos filmes. Como escapar a isso é uma das questões colocadas pelos melhores artistas contemporâneos, dentre os quais David Cronenberg.

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O ator Jeff Goldblum, em cena de
O ator Jeff Goldblum, em cena de "A Mosca" (1986), do diretor canadense David Cronenberg

E também seu cientista de "A Mosca" (1986, Paramount, 23h45). O que é sua busca senão a necessidade de substituir simulacros por experiências reais, extremas, as únicas que justificam a vida.

Como sempre nessas circunstâncias, desde Prometeu, os deuses se interpõem ao herói. Aqui, na figura de uma reles mosca que se introduz no experimento de transporte de moléculas e condenará Seth Brundle à mais terrível animalização: um monstro. Um monstro de filme, também.

TERÇA-FEIRA (6)

"Argo" (2012, HBO 2, 12h20)) é um desses filmes que demonstram o poder da mídia como substituto da experiência real.

Neste filme de Ben Affleck, estamos no Irã em plena revolução, com uns tantos funcionários da embaixada dos EUA bem vulneráveis, para dizer o mínimo.

Como retirá-los de lá? Um agente só vê uma solução: simular uma filmagem. Parece um plano insensato, mas, veremos, os desconfiadíssimos aiatolás engolem a história.

Keith Bernstein/Efe/Warner Bros
O ator Ben Affleck no papel de Tony Mendez, em cena do filme “Argo”
O ator Ben Affleck no papel de Tony Mendez, em cena do filme "Argo"

Talvez isso aconteça porque Khomeini em pessoa fosse, em boa medida, produto da mídia. Importa é que esse estratagema —fingir que filma, mas não filma— velho como o cinema renova-se agora e de algum modo produz, a um tempo, emoção verdadeira e espetáculo.

Um cineasta que merece toda a atenção porque nunca se curvou ao espetáculo é Robert Altman, por sinal, celebrado no documentário "Altman" (2014, Max, 23h).

QUARTA-FEIRA (7)

A primeira reação é achar tudo isso brega, fora de moda. No entanto, a música de que trata "Vou Rifar Meu Coração" (2011, TV Brasil, 0h30) persiste. De Altemar Dutra a Waldick Soriano, de Nelson Ned a Agnaldo Timóteo e a... Não importa, são muitos.

Em dado momento podem estar nos bordéis, em outros invadem os aparelhos de som mais finos (a música de Lupicínio Rodrigues, digamos). Mas persistem, pois representam sentimentos "universais", como a dor de cotovelo, que nós, letrados, temos vergonha de sentir. Mas os sentimentos estão lá . Dar conta desse mundo é o trabalho da diretora Ana Rieper neste documentário.

Ainda no registro de sentimentos negados e preconceitos, há hoje a comédia "Melhor É Impossível" (1997, HBO Family, 20h30).

Talvez o melhor do dia esteja em "A Mágica de Méliès" (1997, Curta!, 23h), sobre o artista fabuloso que descobriu a magia que há sob o real que o cinema registra.

QUINTA-FEIRA (8)

À velha conversa fiada de que não existem bons roteiros no Brasil às vezes se poderia responder assim: bons roteiros existem, o que não existem são bons espectadores.

O que será bem verdade no caso de "O Padre e a Moça" (1966, TV Brasil, 0h30), que Joaquim Pedro de Andrade escreveu a partir de um poema de Drummond e, como disse Mario Carneiro, sob a severa vigilância de Rodrigo de Mello Franco, amigo do poeta e pai de Joaquim Pedro.

Mais: este filme de amor proibido trouxe Paulo José pela primeira vez ao cinema. Por indicação, diga-se, de Helena Ignez e Fauzi Arap. E carrega essa sina estranha: quando um filme tem que dar certo, dá.

As filmagens se arrastaram, a atriz se irritava com o assédio da equipe (era a única mulher no set), o diretor era um estreante.

O roteiro (e tudo mais) não foi apreciado na época, o filme fracassou. Não saber apreciá-lo, de novo, seria uma lástima.

SEXTA-FEIRA (9)

Aconteceu com Rita Hayworth, Marilyn, Brigitte, Kim Novak: quando aparece uma dessas mulheres estonteantes, tendemos a considerá-las assim: bonitas, mas sem talento.

Foi em "Lua de Fel" (1992, Max Up, 15h15) que Emmanuelle Seigner aconteceu. Mas ela era, no filme, apenas a sra. Peter Coyote, atrevidamente sedutora num "thriller" à maneira hitchcockiana.

De passagem, era também a sra. Roman Polanski, o diretor do filme, tido por tarado universal, que muitos acusaram aqui de estar exibindo a própria mulher. Belíssima, sem dúvida. Mas seria talentosa?

Depois, Seigner levou a carreira meio que em banho Maria (atribuía-se mais talento à sua irmã, Mathilde, que não por acaso é menos bonita). Rever este filme é confirmar que Emmanuelle já era talentosa antes do recente "A Pele de Vênus", que é, aliás, uma bela vingança contra o mesmo machismo que veda a atrizes bonitas a virtude do talento.

SÁBADO (10)

Fazia um tempo que "O Diabo Veste Prada" (2006, TC Touch, 20h35) não aparecia por aqui. O filme está completando quase 10 anos e representa o máximo, senão cinematograficamente, ao menos como evento, desse momento em que a moda pontificou como a arte pop por excelência.

É essa proeminência que ajuda Meryl Streep, a diretora da revista, a se tornar um mito da profissão em vez de ser, como devia, considerada uma sádica entre outras. É por conta dessa situação de ponta que a carreira da jovem jornalista Anne Hathaway pode ganhar pontos ou perdê-los todos, conforme agrade ou não à patroa.

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Meryl Streep em cena do filme O Diabo Veste Prada CREDITO: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Meryl Streep em cena do filme "O Diabo Veste Prada"

+Nesse mundo da moda e da escrita há um personagem quase marginal: o jovem namorado de Anne Hathaway. O cozinheiro. Sim. Ele é o rapaz simples, meio ingênuo, alegria dos amigos, despretensioso, fora do mundo do consumo...

Sim, há 10 anos, nem isso. Hoje é o cara da moda. E a moda ficou meio fora de moda.

DOMINGO (11)

O que importa em "O Selvagem da Motocicleta" (1983, TC Cult, 23h55)? Não, realmente, a história. Ela nos remete em linha reta aos rebeldes dos anos 1950, de moto e sem causa, a seus combates cheios de fúria e de pouco sentido.

Remete aos chefes de gangue vistos como heróis por seus seguidores: é o caso aqui de Mickey Rourke, que na época pintava como o galã do fim do século. Havia ainda muitos outros jovens atores nessa corte: Matt Dillon, Chris Penn, Nicolas Cage, Vincent Spano...

Mas este é um filme do estilo. Do barroquismo de Francis Coppola, daquilo que ficou conhecido como neon realismo, quer dizer: puro estilismo.

E foi assim que o filme marcou e representou, ao mesmo tempo, os anos 1980: com seus peixinhos coloridos num filme todo, maneiristicamente, em preto e branco. Se Coppola sempre foi um diretor de altos e baixos, eis um filme que bem o representa: altos e baixos não faltam.


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