Folha de S. Paulo


Entrevistas com Chico Buarque guiam documentário que abre Festival do Rio

Filme de Miguel Faria Jr.

Num país de incontáveis Franciscos, todos sabem de quem se trata quando dizemos apenas "Chico". Vinicius de Moraes o chamou de uma das raras montanhas na planície da música brasileira. É também sobre ele que muitos hoje cospem fogo na internet.

"Chico, artista brasileiro – mas que mora em Paris", disse um tuiteiro, brincando com o título do documentário que abre o Festival do Rio na quinta (1º/10), "Chico - Artista Brasileiro", de Miguel Faria Jr.

É inevitável recorrer a atalhos para contar uma vida de 71 anos, 51 deles escrevendo músicas que ora driblaram a censura da ditadura, ora retrataram a dor de cotovelo do ponto de vista de uma mulher.

Ainda que seja ancorado no passado, o filme joga para o presente, acompanhando a busca de Chico em Berlim pelo irmão que não conheceu –e que ele descobriu por acaso numa conversa com o poeta Manuel Bandeira.

Chico aparece em várias versões: músico, escritor, boleiro, ativista, ator, marido, irmão, vovô, morador do Leblon. Com os pés sobre a mesa, batuca no teclado do computador do seu escritório espaçoso, pendurado sobre a vista da orla do Rio.

Corta para um Chico de 20 e poucos anos desembarcando na Itália após dar no pé do Brasil da ditadura. Noutra cena, netos invadem sua cozinha, enfiam a cabeça na geladeira e gritam: "tem sorvete?".

Divulgação
Chico Buarque em cena do documentário 'Chico - Artista Brasileiro' de Miguel Faria Jr.
Chico Buarque em cena do documentário 'Chico - Artista Brasileiro' de Miguel Faria Jr.

Mas Faria Jr., diretor de "Vinicius" (2005), quer conter a expectativa de um "tudo sobre". "As pessoas vêm me dizer, 'por que não colocou tal música?'. Eu queria que o título fosse 'Duas ou três coisas que eu sei dele', que nem o do Godard ["Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela" (1967)]. O filme é o meu olhar sobre ele."

É ainda o olhar do próprio Chico sobre si. Faria Jr. gravou 30 horas de entrevistas no apartamento do músico, que guiam a narrativa do filme.

Nelas se sobressai o Chico politizado, ainda que ele diga que seu envolvimento com política acabou quando o Brasil chegou à democracia. O artista dá declarações polêmicas sobre a bossa nova, ritmo que exaltou a vida toda, e fala sobre o que a música popular diz a respeito do Brasil.

Entremeados às entrevistas, breves depoimentos da irmã Miúcha, números musicais e imagens de arquivo garimpadas pelo mundo.

Estão lá momentos crucias: o sucesso de "A Banda" (1966), a virada de mesa quando escreveu "Roda Viva", o jogo de gato e rato com a censura.

Não que o Chico da tietagem não esteja ali. Os paparazzi que o perseguem quando sai com a namorada não devem saber que ele não se vê mais dividindo teto, nem o que sentiu após separar-se de Marieta Severo em 1999.

Ou qual é a cara dos seus netos. Uma cena mostra Chico tocando em casa com três deles: Clara, 16, o acompanha na voz, Chiquinho, 19, toca piano, e Lia, 13, flauta.

"Há uma relação entre 'Vincius' e este filme. Eu queria retomar a história da música brasileira e como ela refletiu com a morte do Vinicius. Queria fazer isso por meio de um personagem. Era o Chico, só podia ser o Chico", diz Faria Jr.

Chico canta "Construção"


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