Folha de S. Paulo


Andrea Tonacci revisita seu passado no filme'Já Visto Jamais Visto'

Andrea Tonacci prefere não explicar seu trabalho. Também evita ler análises críticas a respeito, pois acha que podem delimitar seu campo de visão. O diretor italiano de 71 anos, que veio para o Brasil aos nove, gostaria de aparecer menos que os filmes, inclusive quando pensa em qual será a proporção das fotos que aparecem nesta página.

No terraço da casa onde mora, em São Paulo, ele ri, desconversa, busca palavras doces na tentativa de não ser indelicado, mas assume que não gosta de entrevistas.

A atitude talvez explique porque o nome do cineasta, responsável por obras icônicas como "Bang Bang" (1970) e "Serras da Desordem" (2006), ecoe menos do que os próprios filmes.

Danilo Verpa/Folhapress
SAO PAULO - SP - 15.09.2015 - Retrato de Andrea Tonacci, diretor que lanca filme que revisita passado cinematografico, apos rever material antigo. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, TURISMO)
O diretor Andrea Tonacci, que revisita passado cinematográfico em "Já Visto Jamais Visto"

"Já Visto Jamais Visto", novo trabalho de Tonacci após quase uma década sem lançar um longa-metragem, estreia hoje na capital paulista em sessões no Cine Olido e no Centro Cultural São Paulo.

Para realizá-lo, o diretor italiano retomou parte do seu passado. Revistou imagens filmadas ao longo da trajetória de 50 anos, mas esquecidas pelo tempo. Em latas de metal, muitas sem etiquetas, estavam negativos quase deteriorados, mas que continham muitas memórias.

Entre viagens de família e bastidores de filmagens, estão cenas de trabalhos que não chegaram a ser finalizados, caso de "Os Últimos Heróis" (1966) e "Paixões" (1994). A esse material, o diretor acrescentou também imagens das obras "Olho por Olho" (1965),"Blá Blá Blá" (1968) e "Bang Bang". Dos arquivos familiares, a imagem mais recente, segundo ele, deve ter 20 anos, registro de uma viagem com o filho à Itália.

O resultado, como em outros títulos do cineasta, é um filme de rara beleza, mas que, por sua complexidade, deve ter pouca circulação.

Foi após três tentativas malogradas de inscrever novos projetos em editais ­de financiamento que Tonacci se voltou aos negativos que estavam esquecidos no escritório de casa. E conseguiu, em 2012, por meio do edital do Rumos Itaú Cultural, restaurar 15 horas de seu arquivo.

O contato com o material deu origem a "Já Visto Jamais Visto", que o diretor agora define como "prestação de contas", uma forma de retribuir pelo dinheiro que conseguiu para o restauro.

"O que amarra essas imagens não é racional. Não sou eu que dou sentido ao filme, mas o filme que dá sentido a mim", diz Tonacci, que chegou a jogar fora três caixas cheias de filmes danificados.

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Cena do filme Já visto jamais visto, de Andrea Tonacci Crédito Divulgação ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Cena do filme "Já Visto Jamais visto", de Andrea Tonacci

"Não sei nem o que tinha ali. E isso corresponde também à minha memória. Se não consigo lembrar de coisas que têm corpo físico, como vou confiar nas lembranças?"

Atualmente, o diretor se empenha em recuperar o material em vídeo de "A Visão dos Vencidos", projeto para o qual registrou comunidades indígenas em países como Canadá, Estados Unidos e México no anos 1979 e 80.

Também toca dois projetos de filmes (a partir de ideias que o acompanham há pelo menos dez anos). As produções são sobre essa percepção de impermanência, ele diz, afirmando que a volta ao passado talvez fosse necessária para ir em frente.

O diretor prefere não dizer nada mais, pois não quer fixar os pontos, nem estipular prazos: "São os filmes que me dão o tempo que têm", resume. Ele levou dez anos até concluir "Serras da Desordem".


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