Folha de S. Paulo


Presença maior de Hollywood em Veneza impulsiona tietagem por astros

Debaixo do sol do verão mediterrâneo, dois policiais acodem uma adolescente que passou mal, acampada à espera da passagem de Johnny Depp pelo tapete vermelho —dali a seis horas. Dentro da atulhada sala de imprensa, no terceiro andar de um desativado cassino dos anos 1930, a histeria continua: "Bello!", exclamava uma jornalista italiana que havia acabado de tirar uma foto do ator americano.

Mais antiga mostra de cinema do mundo, o Festival de Veneza chega ao fim neste sábado (12), quando premia com o Leão de Ouro o melhor filme da competição principal, em meio a uma edição que coroa uma invasão americana.

Hollywood sempre teve seu lugar cativo no festival italiano. Mas nos últimos cinco anos, a presença americana tem tomado de assalto o Lido, a ilha veneziana em que ocorre o evento, e o usado como uma de suas principais vitrines: em 2013, "Gravidade" abriu a mostra e deu um Oscar e deu um Oscar a seu diretor, Alfonso Cuarón; em 2014, a abertura ficou com o também oscarizado "Birdman.

Jin Yu/Xinhua
(150904) -- VENECIA, septiembre 4, 2015 (Xinhua) -- El actor Johnny Depp (c) firma autógrafos en la alfombra roja de la película
Johnny Depp (centro) assina autógrafos no tapete vermelho do 72º Festival de Veneza

Neste ano, 19 dos 55 filmes da programação oficial de Veneza são americanos, cinco a mais do que no ano passado. Em 2011, por exemplo, eram 12 de 65: metade do que é hoje em dia. O reforço se deu principalmente na programação fora da disputa pelo Leão de Ouro.

A reboque dessa americanização vem a tietagem descarada, de fãs que fazem vigília de horas no entorno do tapete vermelho ("são os meus patrões", disse Johnny Depp) e de jornalistas que se empurram em nome de selfies.

Fenômeno recorrente: a debandada selvagem de repórteres que pulavam rapidamente de suas poltronas para para pedir autógrafos assim que as entrevistas coletivas acabavam. Foi assim com Eddie Redmayne, Kristen Stewart, Jake Gyllenhaal, Dakota Johnson, Mark Ruffalo, Tilda Swinton...

"Obrigado, Ralph Fiennes, por aquele olhar que você lançou para a câmera naquela cena", disse um jornalista, sem fazer qualquer pergunta ao ator britânico de "A Bigger Splash". "O filme é uma verdadeira experiência cinematográfica", elogiou outro o diretor Tom Hooper, de "A Garota Dinamarquesa".

Em seu último ano à frente da diretoria artística do festival, o curador Alberto Barbera nega que haja uma invasão hollywoodiana.

"Há três filmes grandes: 'Evereste', 'Aliança do Crime' e 'A Garota Dinamarquesa'", mas a maioria dos americanos é composta de filmes pequenos, independentes, que precisam do festival para promoção", diz Barbera à Folha, no terraço do Palazzo del Cinema, onde ocorrem as sessões de gala.

PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA

Barbera disse que estava preocupado com a recepção crítica do line-up que, segundo ele, foi positiva.

"Com a multiplicação das plataformas, o papel de um festival de cinema mudou: diante de tanta coisa, viramos um filtro para apontar o que é relavante e que nomes são promissores."

Na noite deste sábado, Veneza escolhe seu vencedor. Mas apesar do grande número de americanos no páreo, a crítica local tem sido mais elogiosa a produções europeias e asiáticas.

O russo Aleksandr Sokurov pode ganhar seu segundo Leão de Ouro por "Francofonia", obra que exalta a identidade europeia, e o veterano Marco Bellocchio, que já participou oito vezes, pode sair com o prêmio por "Sangue del Mio Sangue".

Pela sétima vez consecutiva, o Brasil não participa da competição principal, mas emplacou dois longas na mostra Horizontes, disputa direcionada a novas linguagens: "Boi Neon", de Gabriel Mascaro, e "Mate-me Por Favor", de Anita Rocha da Silveira.

"Neste momento, o cinema latino-americano é o mais interessante do mundo", disse Barbera. "Há anos que se investe na produção, mas agora é que vemos a qualidade chegar nos filmes."


Endereço da página:

Links no texto: