Folha de S. Paulo


Modelos com Down, albinismo e vitiligo são aposta nas passarelas

Madeline tem síndrome de Down. Fifi, filha de negros da África do Sul, é albina. O vitiligo de Chantelle se espalha por corpo e rosto inteiros. Melanie nasceu com rara condição genética que afeta o crescimento de dentes, cabelos, unhas, cartilagem e ossos —mesma doença do ator Michael Berryman, escalado por Wes Craven (1939-2015) para seus primeiros filmes de terror.

Leia análise do colunista Pedro Diniz sobre a tendência.

A vida das quatro poderia seguir um script de pavor, marcado pela rejeição reservada àqueles ejetados do conceito de belo eleito para cada época. Elas, contudo, deram a volta por cima, e nas passarelas, como modelos em alta.

Nos últimos anos, a indústria da moda parece ter sacado que pega bem incluir exceções como os exemplos citados acima, ainda que para confirmar a regra nos desfiles.

Assim, jovens amputadas, paralíticas e "plus size" passaram a caminhar entre uma maioria de meninas à moda Gisele Bündchen —e as grifes não perdem a chance de transformar a novidade em "outdoor" do politicamente correto.

Com "alegria máxima", a FTL Moda anunciou Madeline Stuart para sua apresentação na New York Fashion Week, no próximo domingo (13). A marca, que já contratou uma garota com braço biônico, convoca agora a australiana que assim se introduz em seu site: "Oi, meu nome é Madeline. Eu sou uma modelo. Tenho 18 anos e síndrome de Down".

A modelo, que também é dançarina, nadadora, líder de torcida e joga basquete e críquete, reinventa em causa própria um lema do joalheiro Harry Winston (1896-1978): "As pessoas vão encarar. Faça valer a pena". Foi isso que ela decidiu fazer, 16 meses atrás.

Com ajuda da mãe, Rosanna, que lida com "a parte estressante do negócio", ela conta à Folha por e-mail que, certo dia, odiou o reflexo no espelho. "Parei de comer besteira seis dias por semana e fui de 66,5 Kg para 57 Kg."

A mãe pagou por sessões de foto e compartilhou a história da filha na internet. "Viralizei", diz Madeline, que desde então fez campanhas em que aparece com biquíni laranja, tutu rosa de bailarina e roupas de ginástica com estampa da Pequena Sereia.

No Facebook, ela comemorou o chamado para a semana de moda nova-iorquina com interjeições em inglês de euforia: "Yahoo and yippee".

"Amo ser uma modelo com síndrome de Down. É por isso que as pessoas fazem tanto barulho sobre mim", afirma.

BAUNILHA NEGRA

Modelo há 16 anos, a sul-africana Fifi Modiselle, 29, blinda a pele com filtro solar fator 50. Contra o preconceito por ser albina, ela se protege com ideias. Ao contrário de Madeline, não quer ser tratada como "diferente".
"As agências me diziam que eu precisava achar uma que aceitasse modelos únicas. Como posso ser 'algo novo' se tudo o que me falta é pigmento?"

No Twitter, adotou o nome "vanillablaq" (baunilha negra). Explica: "'Vanilla' é minha pele de leite, e 'blaq' é meu orgulho por ser negra. Muitas pessoas não sabem, mas a semente da baunilha é negra antes de virar aquela substância branca. Então é branca, mas negra. Como eu."

Fundador da Mega Model, por onde passaram Isabeli Fontana e Ana Hickmann (com medidas que ainda predominam por lá), Eli Wahbe diz que a tendência, hoje, é incluir "geral" —como as "Giseles", as "plus size" e as "gostosas tipo Kardashians". "Há dois anos, falam mais de personalidade do que biotipo. Quanto mais o mercado pedir, mais iremos atrás de meninas assim. A gente é prestador de serviço."

No livro "A História da Feiura", Umberto Eco relativiza a noção de feio e belo, que flutua com o tempo. Lembra que já foi dito sobre Bach: "Suas composições são totalmente desprovidas de beleza".

Para Fifi, dançar fora do ritmo do mercado é uma forma de acertar o tom. "Há uma razão para eu ser assim: dar uma lição de tolerância para o mundo que teme o desconhecido."


Endereço da página:

Links no texto: