A fusão entre Christiane Torloni e Maria Callas fica visível antes mesmo de a atriz vestir o figurino e subir ao palco como a grande diva da ópera do século 20, no espetáculo "Master Class", que acaba de estrear em São Paulo.
A atriz explica sua relação com a arte teatral emprestando falas de sua personagem, já vivida por Fanny Ardant e Marília Pêra nos palcos –e que Meryl Streep apresenta em breve no cinema, sob direção de Mike Nichols ("Closer: Perto Demais").
"'Master Class' fala o que eu quero dizer", sintetiza, tendo ao lado seu parceiro teatral de três décadas, o diretor José Possi Neto. Em cena, ela defende a arte como "uma questão de vida ou morte".
O mesmo espelhamento acontece entre Tarcísio Meira e Sir, protagonista de "O Camareiro", peça do britânico Ronald Harwood que entra em cartaz nesta sexta (4), trazendo o ator de volta aos palcos após hiato de 20 anos.
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Christiane Torloni como Maria Callas em "Master Class" |
"Faço um mergulho no teatro dentro do teatro", diz Tarcísio. "Um salto duplo. De costas. Com os olhos vendados", complementa Kiko Mascarenhas, intérprete que contracena com o ator, sob direção de Ulysses Cruz.
Ele se refere não só ao retorno do colega, mas à sua atuação dobrada: Tarcísio vive ainda um veterano de teatro à beira do colapso nervoso e também Lear, personagem que luta para representar em meio a um bombardeio durante a Segunda Guerra.
"Cada palavra que eu disser será um escudo contra a selvageria, cada frase que eu proferir será uma proteção contra o terror", diz Tarcísio em cena.
Em suas respectivas peças, Torloni e Tarcísio servem-se dos discursos de seus personagens para revelarem crenças artísticas caras. Enxergam o palco como território sagrado, no qual o homem consegue fazer valer sua verdade de forma absoluta.
"[O palco é] um lugar brutal. Aqui pelo menos nós sabemos onde é que estamos. O que nós somos", afirma Torloni no espetáculo.
O enredo do americano Terrence McNally se baseia nas aulas magnas proferidas por Callas no início dos anos 1970 na Juilliard School, escola de música de Nova York.
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Tarcísio Meira em "O Camareiro", sua primeira peça em 20 anos |
Nesta peça de 1995, vencedora de três Tonys –entre eles o de melhor espetáculo da Broadway–, a cantora greco-americana transfere uma vida de aprendizagem aos aprendizes, vislumbrando a arte como ideal de vida.
Repreende o ego e a falta de comprometimento dos alunos com a mesma autoridade com que os encoraja a valorizarem suas essências individuais e a perseguirem seus sonhos.
Torloni e Tarcísio usam "Master Class" e "O Camareiro" para desnudarem ao público os bastidores dos palcos. "O que sempre é imaginado aqui é revelado", explica o diretor Ulysses Cruz, que transforma coxia e camarim em cenário. "É quase como se contássemos como se realiza a mágica do teatro", acrescenta Mascarenhas.