Folha de S. Paulo


Nelson Leirner relê trabalhos do 'tio Duchamp' e outros artistas em mostra

Sentado num banco de madeira, de lado para o outdoor que cobre parte da fachada da galeria Vermelho e mistura a obra da japonesa Yayoi Kusama ao ursinho Puff, Nelson Leirner conta que pediu algumas vezes para adiar sua individual que fica em cartaz na capital paulista até 3/10.

O paulistano diz que, só de pensar em expor, tinha preguiça –como naqueles dias em que acorda "meio assim, sem vontade ". "Mas não me deu nenhum trabalho", Leirner afirma, e aponta para a curadora Lilia Moritz Schwarcz e a equipe da Vermelho: "Fizeram tudo".

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, Brasil, 31-08-2015 14h27:***ESPECIAL ILUSTRADA *** Retrato do artista Nelson Leirner ao lado de sua obra KINGDOM na galeria Vermelho onde faz exposicao com trabalhos que remetem a releituras de obras de outros artistas.(Foto Eduardo Knapp/Folhapress). Cod do Fotografo: 0716
O artista Nelson Leirner, 83, ao lado de releituras de Diego Velázquez (ao fundo) e Damien Hirst

A verdade é que, para a mostra "Traduções: Nelson Leirner Leitor dos Outros e de si Mesmo" –que ele promove, "sem querer se gabar", como uma de suas melhores–, o artista de 83 anos trabalhou bastante. Junto a releituras de obras de artistas como Leonardo da Vinci e Marcel Duchamp, feitas desde 1968, há também peças inéditas.

Nas criações de Leirner, as composições de Piet Mondrian ganharam tramas de lã, e 30 versões em miniatura do tubarão de Damien Hirst, confeccionadas com feltro, enchem agora um falso aquário, deixando à mostra simpáticas línguas vermelhas. "Fui obrigado a pôr a mão na massa. Fiz projetos, mas terceirizei tudo", ele assegura, para reforçar a ideia de preguiça.

Lilia queria produções novas em diálogo com obras que se tornaram icônicas. Fez questão de incluir "Homenagem a Fontana" e "Stripencores", nas quais Leirner substitui os rasgos do artista ítalo-argentino, efetuados na navalha, por zíperes. "Gosto da ideia de tradução pela traição, que o Nelson estabelece por meio do humor", explica.

SUBVERSÃO

No início da carreira, na década de 1950, ele chegou a pintar "meia dúzia de quadros", mas abandonou a prática logo, incomodado pelo processo lento da pintura.

Passou então a se apropriar de objetos preexistentes, conferindo a eles novos significados e questionando a sacralização das obras e sua condição de mercadoria. "A apropriação me levava aos mesmos resultados da pintura. Comecei e nunca mais parei."

Na mostra atual, por sugestão da curadora, Leirner assume o papel de tradutor de outros artistas. Antropóloga e historiadora, Lilia leva ao universo das artes um conceito mais usual nas letras.

Mas o que ela chama de tradução é para Leirner um jogo. E jogo, para o artista de obras irônicas –que já frequentou cassinos paraguaios e americanos, num passado de mais perdas que sorte–, não poderia assumir na arte conotação mais positiva.

"É a primeira vez que vejo essa palavra empregada para artes visuais. Isso me deixou entusiasmado", diz.

E é também pela postura de jogador que o paulistano se aproxima tanto de Duchamp. De todos os artistas que traduz, Leirner tem o francês como o mais próximo.

"É meu tio", afirma, classificando os outros como parentes mais distantes, com os quais tem bom relacionamento. "Com quem não me dou bem, não mexo", diz, categórico, evitando citar nomes. "Não são da família os que não usei até agora."

Já com os parentes se sente à vontade para brincar, subvertendo suas criações. "Quando se conhece bem um artista, é mais fácil ter ideias sobre ele", argumenta.

Leirner quer errar mais, mas nem sempre consegue. "Essa exposição, você vê, tudo tão certinho", ele lamenta. "Até o Fontana eu consertei. Fechei tudo com zíper."

NELSON LEIRNER LEITOR DOS OUTROS E DE SI MESMO
ONDE Galeria Vermelho, r. Minas Gerais, 350, tel. (11) 3138-1520
QUANDO ter. a qui., das 10h às 19h, sáb, das 11h às 17h; até 3/10
QUANTO grátis


Endereço da página:

Links no texto: