Anivaldo Luiz da Silva sobe as escadarias do Spades Café, no baixo Augusta, levando na mão esquerda uma mochila preta. "Boa noite, vim tocar", introduz-se, na entrada, à dona do local.
Enquanto espera a resposta, esboça a pequena fresta de um sorriso, mordendo o lábio inferior, e arregala ligeiramente os olhos (expressão que repete com certa frequência quando termina uma frase).
A camiseta preta, com o logo amarelo da banda Cheiro de Calcinha no peito, não deixa dúvidas: Anivaldo é Lobo, o líder do autodefinido grupo de brega rock alagoano.
| Zé Carlos Barreta/Folhapress | ||
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| Anivaldo Silva, o Lobo, vocalista da banda de "brega rock" Cheiro de Calcinha |
"Quer entrar, deixar as coisas?", pergunta-lhe a proprietária do bar.
Ele sobe até uma sala por um curto lance de escadas, logo depois de uma porta à sua esquerda, e guarda rapidamente as coisas.
"Vou panfletar", diz, antes de cair na rua Augusta com um maço de folhetos nas mãos.
São 23h de uma sexta-feira de agosto e Lobo só tocaria depois da 1h do sábado.
Munido de um microfone auricular portátil, para na esquina da Marquês de Paranaguá e divulga a programação da noite a quem passa.
"Ooolha o show de rock com três bandas no Spades Café! Todos convidados", vai falando (a voz sai de uma pequena caixa de som presa na cintura, como uma pochete) e distribuindo os panfletos com os logos de sua Cheiro de Calcinha, e dos grupos Airtrain e Toxic Novel, que o acompanhariam naquela noite.
Lobo, 38, formou a Cheiro de Calcinha, a banda "que já nasceu errada", em 1997. "O nome já não é de banda de rock, não é? Vem da irreverência."
E das referências mais sincretistas possíveis, do heavy meatal a Odair José e de Mamonas Assassinas às lambadas, segundo seu compositor. Seus "hits" são "Gatinha", "Amor Complicado" e "A Mulher do Delegado".
PÂNICO
"Chego no point de rock e já recebo uma barreira, né? Remete a outra linha musical. A casa fica meio assim de querer, ainda mais uma banda desconhecida, anônima, com repertório autoral."
Lobo conseguiu convencer os produtores do Spades quando veio a São Paulo em abril deste ano, para gravar o programa musical "Showlivre". Conseguiu batendo na porta do apresentador da atração, o músico Clemente, quando ele passou por Maceió.
Já no camarim onde se preparava para o show da noite, ele conta que o sonho é viver das músicas com letras desbocadas, "só que às vezes é difícil, né?".
Trabalhando desde os 14 anos, o roqueiro já vendeu picolé nas ruas de Maceió, trabalhou em loja de ferragens, vendeu suco de fruta na calçada. "Mamãe fazia em casa, de laranja e outras frutas. Com a venda do suco, gravei o primeiro CDzinho."
Mas Lobo queria um trabalho que lhe permitisse dedicar mais tempo à banda. A saída foi criar um negócio, digamos, apelativo: gravava, com câmera amadora, filmes pornô pensados por ele mesmo. Depois, os vendia nas feiras de Maceió.
Tirava cerca de R$ 1.200 por mês com a venda dos DVDs dos filmes que dirigia, com histórias como "A Mulher do Pânico Quer Gozar", em que, para salvar o marido, a "heroína" seduz o personagem Pânico.
"Não é um filme, filme. É só o amor filmado", diz Lobo. Ele se aposentou da indústria em 2010 com cerca de cem filmes no currículo (segundo suas contas), quando farejou oportunidades na política, com a popularidade que ganhou nas ruas da capital alagoana.
Veja abaixo um show do Cheiro de Calcinha
"Não era correto ficar gritando 'olha o filme pornô' e vendo em Maceió um monte de coisa para tentar resolver", comenta. Lobo é defensor das construções dos banheiros públicos no centro da cidade, uma de suas promessas, além da pavimentação de ruas no centro e da instalação de aparelhos de ar condicionado nas escolas municipais, como consta no "Diário Oficial" de 7 de janeiro de 2014.
"Devo muito ao pornô, mas a brincadeira é só na Cheiro de Calcinha e nos filmes."
No último pleito, em 2014, candidatou-se a deputado estadual em Alagoas —conseguiu 14 mil votos, mas não foi eleito. O plano, agora, é tentar se eleger vereador.
Sem deixar, é claro, a Cheiro de Calcinha —sua banda fica em Maceió e só ele viaja, para turnês em outros estados. Em São Paulo, recrutou músicos adolescentes de um conjunto de hard rock de Santo André, na grande São Paulo.
"Agora vai começar a bagaceira!", bradava Lobo, no início do show no Spades Café, antes de se apresentar para as cerca de 30 pessoas que estavam no local como se estivesse diante da plateia de um Rock in Rio.