A palavra "sujeito" é uma preciosidade da língua portuguesa, transmuta-se de acordo com o verbo que a acompanha. "Ser [o] sujeito" é diferente de "estar sujeito".
A peça "Até que Deus É um Ventilador de Teto", nova investida dos Parlapatões, se desdobra sobre o segundo destes dois significados.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Hugo Possolo (à frente) e Raul Barreto na peça 'Até que Deus É um Ventilador de Teto' |
A peça abre com a cena de um anzol descendo sobre a cabeça do protagonista, homem comum numa cidade louca, prestes a ser fisgado, não importa por quem.
Autor do texto, Hugo Possolo assume o papel. A direção é de Pedro Granato.
No intento de expor um estado da alma cujos vetores convergem para a sugestão de um ciclo (o do homem metafísico), a peça é obrigatória.
Ela diz o que ninguém quer dizer, expõe dores estranhas, destrói velhas simbologias da paternidade. Dedica-se não exatamente à figura de um pai, mas a de um homem que perdeu essa importância, destituído de significância após a independência do filho.
O personagem navega pela cidade em um carro confortável, flutua, mas não percebe a sensação de levitar como condição de liberdade. Enquanto dirige, perde contato. Sequestrado por um esquizóide de rua (Raul Barretto), termina arrastado involuntariamente para uma espécie de exílio da realidade, sob a luz fantástica que atravessa as pás de um ventilador de teto. Com desenhos precisos, a iluminação de Aline Santini faz um artesanato rico de metáforas.
BÍBLICO
A menção a Deus desvia a atenção para uma paródia bíblica. Entre o Senhor (o Pai) e Jesus (o filho), sobra em cena essa espécie de José, aquele que perdeu seu papel no meio da narrativa, ou que assim pode ser visto, inclusive por si próprio.
É interessante que a peça associe a sensação trágica da perda de significância à paternidade, falando inclusive de culpas e medos, mas seu sentido filosófico abrange qualquer perturbação anímica do sujeito que se perde na devoção ao outro (ao filho, a Deus, à mulher, ao dinheiro e daí por diante). A voz cômica de Possolo ganha tratamento peculiar, fica opaca.