Folha de S. Paulo


Conheça o advogado gaúcho favorito em torneio de melhor Elvis do mundo

Quando veste seus trajes de Elvis Presley, o artista-tributo gaúcho Di Light pede, mentalmente, permissão ao seu maior ídolo, que teria completado 80 anos em 2015.

"Nunca me senti digno de colocar uma roupa e fazer um show como Elvis", conta ele, que, aos 33 anos, diz se sentir um super-herói toda vez que veste um dos trajes que emulam o Rei do Rock.

Ele pede para a reportagem não publicar o nome de batismo. Teme que isso atrapalhe sua identidade dupla: Elvis no palco, advogado criminalista em horário comercial.

"Alguns clientes sabem e acham legal. É engraçado, tem até juízes, promotores, o pessoal me conhece de ver shows", diz ele. "Outro dia, foi até meio constrangedor. Numa audiência, um juiz perguntou : 'Quando é teu próximo show aqui?'. 'Bah, doutor, em outubro', respondi."

DELÍCIA

Di Light –"soa como 'delícia' em inglês", explica, é uma brincadeira com o apelido de criança– faz na terça (11) no Orpheum Theatre, em Memphis (EUA), um dos shows mais importantes de sua vida.

Será a primeira eliminatória da finalíssima do UETAC (Ultimate Elvis Tribute Artist Contest), concurso organizado desde 2007 pela Elvis Presley Enterprise para eleger o melhor artista-tributo do Rei em todo o planeta.

"Cover", argumenta Di, é uma palavra "tecnicamente incorreta" e vetada no vocabulário de fãs que, como ele, levam a coisa a sério e gastam "uma nota violenta" para ter sua glória emulando o ídolo.

O gaúcho não fala em valores, mas estima já ter gastado o equivalente a "um carro bem bom" com essa história de Elvis. Só o figurino que usará na final –encomendado à BK Costumes, responsável pela linha oficial do Rei– custou US$ 5.500, mais impostos de importação. "Somando tudo deu uns US$ 10 mil (R$ 35 mil), e eu tenho nove trajes como este."

A roupa de US$ 10.000 enfrentará os de outros 19 finalistas, que disputam um prêmio de US$ 20 mil mais um cinturão de couro confeccionado pela BK –que trabalha com os moldes originais de Presley e disse à Folha ter dez compradores brasileiros.

Além, é claro, de um contrato com a produtora americana Legends in Concert, que tem 135 artistas no cardápio, de Bruce Springsteen a Liberace. O vencedor do UETAC 2015 se tornará o 13º Elvis Presley genérico da empresa.

Será a segunda vez de Di Light na final do concurso. Na primeira, em 2013, ele ficou no top 5 quando representava a América Latina, depois de uma semifinal realizada em São Paulo pela fã e produtora Maria Klein –houve uma nova edição em 2014, mas nesse ano ela não promoveu o concurso no Brasil.

Agora, concorre por Tupelo, cidade natal de Presley. Primeiro brasileiro a realizar a façanha, ele rejeita o favoritismo, mas diz que chegar com essa credencial lhe dá mais segurança. "Tupelo tem tradição de levar torcida e ampara o vencedor local. Dos oito mundiais, quatro campeões tinham ganhado lá antes."

Di Light en Tupelo

"Desconhecido eu não era", diz Di, que já fez quatro turnês nos EUA, com shows em resorts e em cruzeiros que partem de Miami rumo ao Caribe.

"Se fizesse carreira fixa lá, conseguiria tirar US$ 15 mil por mês, no mínimo. Mas sou pé no chão." Apegado à família e ao escritório, ele diz que a eventual vitória o faria considerar virar Elvis de vez.

Do ídolo, Di Light diz que a parte que emula melhor é a voz. "Não sou fisicamente muito parecido com ele, mas tento reproduzir os trejeitos, incorporar o Elvis à minha própria identidade", comenta.

"Por mais que exista um cara que seja muito bom, ninguém consegue ser perfeito. Se coloco uma pitadinha dele, já fico feliz." Elvis de verdade, diz Di Light, só tem o Rei.

NA PELE

"Olha só o que eu tenho", anuncia o advogado gaúcho Di Light, apoiando a perna esquerda sobre a mesa de centro do ambiente. Levanta a barra da calça jeans e exibe uma tatuagem realista do Rei, que cobre toda a panturrilha.

O sapato quase esbarra em uma estátua de um macaco de porcelana branco, que, em sua pose agachada, segura um globo entre as duas mãos. "Encomendei a uma artesã. Era igual ao que o Elvis tinha na casa dele", explica, diante de paredes amarelas e pretas que reproduzem a decoração da sala de TV do cantor.

Fã de Elvis desde criança – "lembro de, pequenininho, colocar o disco do Elvis com o do Balão Mágico"–, Di só começou a emular o cantor em 2006. Ele era uma vocalista de uma banda de rock que fazia covers do Rei. Para incrementar um show, decidiu se vestir como ele. Não parou mais.

Já seu amigo e também artista-tributo Edson Galhardi, paranaense de 46 anos, se lembra de quando viu Elvis Presley pela primeira vez.

"Quando era adolescente, um amigo me emprestou um disco de 40 'greatest hits' do Elvis. Quando vi aquele homem, vestido daquele jeito, alucinei. Vi um super-herói, como o Super-Homem, que eu adorava", relembra Galhardi.

Morando em São Paulo desde 2003, a única ocupação dele, hoje, é ser artista-tributo do Rei –profissão com a qual diz já ter conseguido comprar quatro apartamentos na região da avenida Paulista e "um [Ford] Fusion com teto solar, branco, top de linha".

Galhardi produz em outubro um show no Teatro Itália em comemoração aos seus 30 anos de carreira. Trata-se de uma trajetória mais longeva do que que a do próprio Presley, que gravou a primeira música em 1953 e morreu, aos 42 anos, em 16 de agosto de 1977.

"Não é um vicio, é paixão e um ótimo investimento", conta o artista, diante de quatro figurinos da BK –a confecção oficial dos trajes do Rei– estendidos sobre as cortinas do apartamento onde mora com a mulher, sócia e maquiadora.

"Já gastei uns R$ 600 mil só em trajes oficiais. Dá um apartamentinho bom", diz Galhardi, com o topete impecável e um colar dourado com um pingente com o logo"TCB", sigla de "Take Care Business", que acompanhava Presley.

Fazendo uma média de cem shows por ano, que saem de R$ 2.500 a R$ 12 mil, ele é o atual melhor tributo de Elvis na América Latina. Venceu a eliminatória em São Paulo, em 2014, e foi ao UETAC, de que Di Light é hoje finalista.

Saiu decepcionado com o concurso. "Achava que o americano queria um Elvis mais fidedigno, pô, é o Roberto Carlos deles. Mas é outra coisa, venceu quem rebolava mais, fazia 'uhu!'", diz.

Edson Galhardi canta 'Suspicious Minds'

Receber a chancela da empresa de Elvis ajudou no cachê, mas Galhardi diz que bom mesmo é aparecer em programas de TV: "Quando fui ao programa da Fátima Bernardes, o telefone bombou."

À Folha, Kevin Kern, porta-voz da Elvis Enterprises, diz que os 2.500 ingressos para assistir ao UETAC neste ano estão quase esgotados. "O vencedor precisa não só parecer visualmente [com Presley], mas ter presença de palco e uma voz muito similar."

Ele conta que há oito anos a empresa decidiu oferecer o selo Graceland de qualidade, para unificar as homenagens ao Rei, diante da proliferação de competições do gênero. Há quem premie o melhor cachorro cover de Elvis Presley.

"Esses artistas mantêm o legado de Elvis vivo", comenta Kern. Ele não tem uma explicação cabal para o que leva tantas pessoas a Graceland, a chácara onde Elvis viveu –60 mil por ano, e os brasileiros integram o top 10– ou participando de eventos como o UETAC: "Veja, o Elvis vai ficar por aí por muito tempo ainda, depois que eu e você morrermos. Ele é parte do imaginário pop".

SONHO AMERICANO

Di Light diz acreditar que os fãs ainda se fascinam por Elvis Presley, a quem considera "sobre-humano", por ele ser a personificação do sonho americano, um "self-made man".

"A história de vida do Elvis era incrível. Ele veio de uma família pobre, mas tinha talento e força de vencer. Teve a chance dele e explodiu, o americano reconhece isso."

Impressão semelhante tem Butch Polston, que comanda a BK Costumes. Sediada em Indiana, a empresa cobra até US$ 9.000 por trajes feitos por Gene Doucette e Bill Belew, que trabalharam para Presley nos anos 1970.

"Ele veio de uma origem humilde e criou o que hoje reconhecemos como um popstar." Há 30 anos no negócio, ele diz suspeitar por que as roupas do Rei ainda vendem tanto.

"Elvis morreu jovem, as pessoas sentem que não tiveram o suficiente dele em vida. Frank Sinatra foi maior que Elvis e viveu mais [até os 73]", diz Butch. "E não se veem tantos covers de Sinatra por aí."


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