Folha de S. Paulo


'Transformar pobreza em poesia é um desastre', afirma Alejandro Aravena

O chileno Alejandro Aravena foi anunciado no último dia 18 como curador da próxima edição da Bienal de Arquitetura de Veneza, a ser realizada em 2016. Assim, pela primeira vez em 15 edições, a direção artística da mostra ficará a cargo de um latino-americano.

Em 13 de janeiro de 2016, Aravena foi condecorado com o prestigiado prêmio Pritzker, concedido pela Fundação Hyatt e considerado o "Nobel da arquitetura".

Entre os dias 19 e 24 de julho, o arquiteto esteve com as filhas e a mulher, brasileira, no Rio, onde participou do evento Rio Academy.

Entre o sol invernal de Ipanema e a palestra realizada no MAM (Museu de Arte Moderna) carioca, Aravena, 48, conversou com a Folha.

Cristóbal Palma/Efe
O chileno Alejandro Aravena, primeiro curador latino-americano da Bienal de Arquitetura de Veneza
O chileno Alejandro Aravena, primeiro curador latino-americano da Bienal de Arquitetura de Veneza

Os detalhes sobre sua proposta para Veneza, no entanto, se mantêm guardados em segredo. "Posso falar sobre tudo, menos sobre a Bienal", pediu antes da entrevista.

Oficialmente, Aravena declarou que a mostra deve "priorizar arquitetos que, com inteligência, são capazes de fugir do atual status quo".

"Gostaríamos de apresentar casos em que, apesar das dificuldades e, em vez de resignação e amargura, são capazes de fazer algo", defende.

Com ares de estrela e conhecido por projetos de habitação social em comunidades pobres na América Latina, o chileno atua em realidades avessas à arquitetura.

Além de lecionar em Harvard entre 2000 e 2005 e ocupar nos últimos dez anos uma das cadeiras do júri do prêmio Pritzker –o Nobel da arquitetura–, Aravena mostrou conhecer a realidade política e arquitetônica do Brasil.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - Paulo Mendes da Rocha diz que as favelas são "um dos mais monumentais espetáculos de consciência urbanística". Como podemos incorporar isso à arquitetura?

Alejandro Aravena - Precisamos entender o poder e as demandas desses lugares. Tendemos a ver as favelas como a incapacidade de fazer algo decente, algo como: "Como são pobres, é a única coisa que podem fazer". Na verdade, sem nenhuma ajuda financeira do Estado, eles são capazes de conquistar uma geografia difícil e fazer suas próprias habitações, mostrando uma enorme capacidade para construir. Eu gostaria de canalizar essa força.

Como fazer isso?

Usando o poder do Estado para fazer um suporte, e assim construir o que não pode ser feito individualmente.

O recurso mais escasso em intervenções urbanas não é dinheiro, mas coordenação. A soma de projetos individuais não garante o bem comum. Para intervir em uma favela precisamos introduzir mais de uma coisa por vez, mas de forma coordenada.

Melhoramos o acesso ao transporte e, ao mesmo tempo, levamos esgoto, água e eletricidade. As pessoas continuarão a vir para as cidades. Isso é bom, mas o problema é a velocidade do processo, resultando em ocupações informais. Se não dermos uma base inicial, vamos cometer sempre os mesmos erros.

Qual é a sua sugestão para evitar esses erros?

Não fazer a casa toda. Se não há dinheiro para dar uma casa com ao menos 80 m², e temos apenas uma versão miniaturizada de 50 m², então sabemos que as pessoas expandirão no futuro.

Não farão isso com desenho, mas apesar do desenho. Se construirmos apenas metade da estrutura para prover as necessidades mais básicas, depois a própria capacidade de construção das pessoas permitirá atingir o patamar da classe média, expandindo para um pátio vazio ao lado.

Se você cria um sistema aberto, permite a realização do projeto individual e não tenta antecipar o que vai acontecer porque nunca vai adivinhar.

Não há o risco de criar uma estetização da favela?

Nunca transformo pobreza ou informalidade em poesia. Isso é realmente um desastre. Não tenho visão nostálgica sobre o humanismo da favela.

Assim, as intervenções não devem ter medo de não seguir a atmosfera da favela, porque aquilo foi a incapacidade de coordenar ações. Se você intervém em escala maior, deve criar uma nova aparência.

Essas intervenções não precisam fingir que são domésticas, senão vira falso contextualismo: "Se você está agindo em uma favela, você deve parecer com a favela". É o oposto. Favelas são consequências de uma operação no nível do indivíduo, e não devemos nos sentir culpados por atuar em outra escala.

Tadeuz Jalocha/Elemental Chile
Projeto Quinta Monroy, no deserto do Chile, prevê espaço para 'puxadinho' de moradores
Projeto Quinta Monroy, no deserto do Chile, prevê espaço para 'puxadinho' de moradores

Como você vê o programa Minha Casa, Minha Vida?

Não é poroso o suficiente, não é um sistema aberto para permitir a atuação individual. Em países pobres, não temos recursos suficientes, então por que insistimos em fazer a casa inteira? Não faz sentido.
Ir para um sistema aberto em vez de dar uma casa completa permite se concentrar no que é mais difícil –como as instalações hidráulicas– e oferecer espaço para a ação dos indivíduos, guiadas por uma forma inicial da casa.

Falta urbanidade no Minha Casa, Minha Vida?

Absolutamente. Uma cidade é sempre uma concentração de oportunidades, não uma aglomeração de casas.
Essa formulação ideológica de que "sua casa é sua vida" não é verdadeira. Sua vida é a quantidade de oportunidades de trabalho, educação, transporte, lazer.

A casa permite se inserir nesse mapa. Então não faz sentido comprar terra onde não existem oportunidades e consumir todo o espaço disponível com habitação. Isso não é uma cidade. Nos espaços vazios outros serviços podem aparecer, com a coordenação de ações com os ministérios do Trabalho, do Transporte ou da Educação.

Assim cria-se um tecido urbano complexo o suficiente para se chamar de cidade e não só um acúmulo de casas.

Como a arquitetura pode lidar com questões econômicas?

Em países como os nossos, a política habitacional é orientada pela propriedade privada –quando se recebe o subsídio público, você se torna proprietário do imóvel.

Essa é a maior forma de transferência de dinheiro público para os bens de uma família. Portanto, pensar a casa apenas como um abrigo é um engano. De fato, trata-se de uma ferramenta para vencer a pobreza. Ter
a própria casa é crucial.

O custo de uma casa numa favela chega a R$ 140 mil, mas porque não existe posse, você não pode ir ao banco para um empréstimo.

Quando você é um beneficiário das políticas públicas e se torna o dono de uma casa, você gostaria de ter esse bem valorizado o máximo possível.

Como vê o legado moderno brasileiro para a arquitetura?

O sonho utópico moderno de melhorar a humanidade com a arquitetura foi excessivo, ingênuo e ditatorial.

Mesmo assim, havia uma intuição acertada de melhorar a qualidade de espaços públicos abertos. Estamos sentados, sem pagar nada, em um lugar fantástico [no térreo do MAM, no Rio de Janeiro].

Para se corrigir desigualdades sociais, deve-se usar a cidade como atalho, e espaços públicos são extremamente importantes nisso.

Vivendo nos mesmos lugares, ganhando o mesmo salário, você consegue melhorar sua qualidade de vida usando a cidade. É por isso que a praia, os calçadões ou ruas fechadas nos finais de semana são tão importantes. Você, de graça, pode ter alta qualidade de vida. Cidades são movidas pelo o que podemos fazer para libertá-las.

Divulgação
Residência da Universidade St. Edward, em Austin, projeto de Alejandro Aravena
Residência da Universidade St. Edward, em Austin, projeto de Alejandro Aravena

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