Folha de S. Paulo


Provocador, Godard lança uma questão por minuto em filme 3D

Godard em 3D? Sim, mas é menos a exploração de um novo recurso espetacular o que se verá do que seu questionamento em "Adeus à Linguagem".

O 3D é como se fosse, ao menos no início do filme, o signo perfeito de um novo mundo. E se Godard passou a vida questionando o cinema e a técnica, entre outras coisas, não havia de ser agora, em pleno esplendor da tecnologia, que não o faria.

Em "Adeus..." há, primeiro, a afirmação de um velho mundo, ou de velha crença: o socialismo, que aparece numa bela canção revolucionária interrompida subitamente.

Desse velho mundo fazem parte Soljenítsin, o escritor (que descobriu tudo sozinho, sem recorrer ao Google, diz um personagem), a velha Europa das guerras, o fantasma sempre presente do nazismo, da impiedade na crise ou fora delas. Mas também do corpo. Da revolta contra o personagem (que todos somos) ser constituído fora de si mesmo.

É sobretudo a civilização europeia, tanto quanto a da tecnologia, que está em questão. Nessa medida, seria possível até dizer que, 3D à parte, é o Godard de sempre, ou dos últimos tempos, que temos diante de nós: ensaístico e provocador, lançando uma questão lancinante por minuto, desorientando o espectador, perdendo-o e logo depois localizando-o novamente, aborrecendo-o e fascinando-o.

Divulgação
Cena do filme
Cena do filme "Adeus à Linguagem", produção em 3D dirigida por Jean-Luc Godard

Adeus ou, como no trocadilho que faz, "ah, Deus", celebração da linguagem, dirige-se ao espectador que aceita o desafio: ver um filme de Godard é perder-se em suas reflexões, é fascinar-se com a inteligência das questões propostas, é perceber o cinema como um lugar em que tudo é questionado e revolvido.

Pior: com tal dinâmica que quem quiser segui-lo do começo ao fim precisará ver o filme mais de uma vez.

Em poucas palavras: "Adeus à Linguagem" está longe dessa categoria impessoal do "cinema para todos". O cinema de Godard vai ao mundo para roubar-lhe imagens e sons (como, aliás, o definiu com precisão Eric Rohmer).

Roubar, entre outras coisas, o 3D. Pois poucos acreditam nisso, mas Godard vem de uma escola que preza as inovações ou, na pior das hipóteses, não foge delas. Com o 3D não é diferente. Sim, "Adeus..." poderia ter sido feito em 2D. Mas Godard parece entrever uma relação entre a terceira dimensão e esse fim de linguagem.

Pois, acrescentando a seus planos límpidos, como sempre, uma profundidade que já não advém da perspectiva renascentista, o que se ganha, efetivamente? Essa parece uma das questões capitais do filme. Pois o ganho em novidade implica ao menos o risco de perder toda a rica linguagem que o cinema constituiu em seus 120 anos de existência.

ADEUS À LINGUAGEM
(ADIEU AU LANGAGE)
QUANDO: ESTREIA NESTA QUINTA (30)
ELENCO: HÉLOÏSE GODET, KAMEL ABDELI E ZOÉ BRUNEAU
PRODUÇÃO: FRANÇA/SUÍÇA, 2014, 16 ANOS
DIREÇÃO: JEAN-LUC GODARD


Endereço da página: