Folha de S. Paulo


Ficção científica cubana começa a ser publicada nos Estados Unidos

José Miguel Sánchez descobriu Conan, o Bárbaro, quando tinha dez anos, em Havana. Em pouco tempo, ele estava usando botas gigantes e cabelos compridos, inventando um estilo pessoal que chamou de "roqueiro medieval".

Sánchez, 46, cujo pseudônimo é Yoss, disse que sonhava em ter aventuras no estilo de Conan nos Alpes ou na Califórnia. No entanto, ele não podia sair de Cuba. Então, aos 15 anos, começou a escapar para os mundos imaginários que criava em seus textos.

Eliana Aponte Tobar/The New York Times
Jose Miguel Sanchez, o Yoss, escritor cubano de ficção científica recém-lançado nos EUA.
Jose Miguel Sanchez, o Yoss, escritor cubano de ficção científica recém-lançado nos EUA.

"A Planet for Rent" [Um Planeta para Alugar], de Yoss, foi publicado recentemente nos Estados Unidos pela Restless Books, juntamente com "A Legend of the Future" [Uma Lenda do Futuro], de Agustín Rojas -raras aparições em inglês de livros de ficção científica cubanos.

"A Planet for Rent", escrito há quase duas décadas, é ambientado em um mundo conquistado por alienígenas e transformado em um playground turístico. É uma alegoria de Cuba durante os anos 1990, época de uma pobreza generalizada criada pela queda da União Soviética.

Em uma prosa direta, sarcástica, sexual e muitas vezes violenta, o autor critica a realidade cubana em termos mal disfarçados.

Eliana Aponte Tobar/The New York Times
O cubano José Miguel Sánchez, que critica a realidade de seu país por meio da ficção científica.
O cubano José Miguel Sánchez, que critica a realidade de seu país por meio da ficção científica.

Os desertores cubanos não deixam o país em balsas, mas em "lançamentos espaciais ilegais", as prostitutas são "trabalhadoras sociais", os estrangeiros são "xenoides" e Cuba é um "planeta cujos habitantes pararam de acreditar no futuro".

Nem toda a ficção científica foi tão crítica ao governo. Rojas, que morreu em 2011, situou "A Legend of the Future" (1985) em um mundo em que o comunismo derrota o capitalismo.

Quando o Muro de Berlim caiu, Rojas sentiu-se tão traído que desistiu de escrever ficção científica e, perto do fim da vida, trabalhou para convencer outros de que o ex-ditador Fidel Castro era um robô ou que não existia.
Ilan Stavans, professor no Amherst College, em Massachusetts, fundou a Restless Books em 2013 como uma empresa exclusivamente digital. "A Planet for Rent" e "A Legend of the Future" foram escolhidos para ser impressos, disse ele, porque refletem a realidade política de seu tempo e a natureza eclética da cultura cubana.

"Temos um problema com o futuro", disse Stavans. "A América Latina ficou obcecada pelos ferimentos da conquista e da colonização."

Se hoje a ficção científica ganha popularidade em Cuba, ela foi cerceada durante toda a sua história. O gênero floresceu nos anos 1960, com as obras de escritores como Ángel Arango, Oscar Hurtado e Miguel Collazo.
Porém, tudo isso desapareceu depois de 1971, quando Fidel Castro adotou a ideologia soviética do realismo socialista, que exigia que a literatura glorificasse o comunismo. "Minha geração viveu em uma época em que a ficção científica e a fantasia eram proibidas", disse Daína Chaviano, 58, proeminente autora cubana que vive em Miami.

Yoss disse que, desde o anúncio da reaproximação de Cuba com os EUA, em dezembro, tem visto jovens escritores explorarem novos temas voltados para o futuro. Ele afirmou que também está preparando um novo livro.

"Eu gostaria de enfocar uma grande mudança tecnológica em Cuba que mudaria tudo", disse. Muito em breve, a história da ficção científica "escreverá a si mesma", disse ele.


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