Folha de S. Paulo


Alice, de Lewis Carroll, completa 150 anos e ganha mostra com raridades

Descalça, vestindo trapos, o colo e o ombro esquerdo à mostra, as mãos como se pedissem esmola.

Alice Liddell tinha seis anos quando posou para Charles Dodgson no jardim de sua casa, em Oxford, na Inglaterra, em 1858.

Quatro anos mais tarde, ela pediria para o professor de matemática conhecido de seu pai contar uma história durante um passeio. Gostou tanto que, ao final do dia, pediu que ele a redigisse.

Em alguns meses, estaria pronto o manuscrito original de "Alice no País das Maravilhas", assinado sob o pseudônimo Lewis Carroll.

O fac-símile do retrato, o manuscrito, outras fotografias, um anel de pedras, uma bolsa clara com flores brancas bordadas, uma Bíblia e uma carta de aniversário ao pai são alguns dos objetos pessoais de Alice Liddell que integram uma exposição sobre os 150 anos do livro em cartaz na biblioteca e museu Morgan, em Nova York, até 11 de outubro.

O cuidado em revelar um pouco mais da personalidade da criança que inspirou Carroll esbarra em outro aspecto conhecido da história por trás do clássico infantil.

Não há provas da veneração do autor por Alice, mas sim indícios, diz a curadora Carolyn Vega. Pistas, como o retrato, que alimentam há décadas especulações em torno dos sentimentos de Carroll pela menina.

Por anos, ele frequentou a casa dos Liddell, uma família abastada da era vitoriana. Fotografou Alice e as irmãs mais de uma vez. Conhecia o pai delas, Henry Liddell, da universidade. Mas, em dado momento, o convívio cessou.

SUMIÇO

"Não podemos tirar conclusões, mas algo aconteceu", diz Vega. Em geral volumosos e detalhistas, os cadernos pessoais de Carroll desse período sumiram. "É frustrante não saber o que se passou na cabeça dele, quando temos acesso a tantos registros de outras fases."

Seja como for, a intenção da curadora não é reacender o debate, e sim dar vida a Alice. "Há diversos aspectos no livro baseados em sua vida. É interessante e divertido descobri-los", justifica.

Antes de conhecer Alice, Carroll já entretinha seus irmãos com histórias. Aos 13 anos, fez um poema que imprimia muito do estilo que viria a caracterizar o clássico.

Nonsense e cômico, brincava com palavras de pronúncia similar: "tail", rabo, e "tale", conto. A exposição mostra os trabalhos desse período e os desenhos que os acompanhavam.

No caso de "Alice", Carroll resolveu que as ilustrações que fizera para o manuscrito original deveriam ser substituídas pelas de um profissional para a publicação do livro.

O sucesso da obra é atribuído, em parte, à vida que John Tenniel conseguiu dar aos personagens. As várias versões expostas na Morgan mostram como o ilustrador respeitou a característica original dos traços de Carroll, aprimorando-os até criar as personagens que se consagraram no imaginário não somente infantil.

A Alice de Carroll, por exemplo, é desproporcionalmente pescoçuda, tem olhos mais esbugalhados e cabelo menos delicado que os da Alice de Tenniel.

As anotações revelam um autor sistemático.

Carroll acompanhava meticulosamente Tenniel e decidia junto à editora o tamanho e a posição de cada ilustração, página por página.

Por coincidência, as cartas entre Carroll e Tenniel também se perderam. De novo, a relação entre as duas figuras permanece "opaca" em contraste com os rastros da produção profícua da dupla, diz Vega.


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