Folha de S. Paulo


Festival de música experimental celebra os ruídos em São Paulo

Há quem considere "4'33", peça de John Cage (1912-1992) na qual a orquestra fica em silêncio por quatro minutos e 33 segundos, como o grande marco deste gênero. Pode até ser, mas o Festival Internacional de Música Experimental (Fime), que estreia sua primeira edição na terça (21), em São Paulo, quer fazer barulho.

Como bússola, o manifesto "A Arte dos Ruídos" (1913), do pintor italiano Luigi Russolo (1885-1947) –defende que "cinco classes de instrumento" (das cordas à percussão) são no máximo canapé para nosso apetite sonoro.

"Beethoven e Wagner chacoalharam nossos nervos e corações por muitos anos. Agora saciados, apreciamos muito mais combinar mentalmente os ruídos dos bondes, dos motores a combustão, do que reouvir, por exemplo, a 'Pastoral' [sinfonia de Bethoveen]."

Divulgação
Lilian Campesato, uma das curadoras do FIME 2015.
Lilian Campesato, uma das curadoras do FIME 2015.

Jhones Silva, 26, que batizou seu projeto de God Pussy ("vagina Deus", em tradução leve), tem como meta fazer um "ativismo sonoro" que "agrida socialmente".

Metalúrgico no Rio, ele aborda assuntos como abuso de poder e racismo. Também ama: o EP "Essa Porra pra Dercy" é dedicado à "mulher mais sexy que existiu", Dercy Gonçalves (1907-2008). Com sintetizadores e ruídos eletrônicos, diz fazer "catastrófica dinâmica dissonante", que já foi chamada de "música ogra".
Trocando em miúdos, tocar algo que não lembre muito uma canção, ao menos o que se convencionou chamar assim. Em 2010, Lou Reed (1942-2013) tocou o disco "Metal Machine Music" em São Paulo. Quem foi não esqueceu os nove minutos ininterruptos de microfonia. O espírito das apresentações é esse.

A cocuradora Lílian Campesato tem um projeto no qual recorre à voz do dramaturgo francês Antonin Artaud (1896-1948), usando fragmentos da peça radiofônica "Pra Dar um Fim no Juízo de Deus".

"O ruído, ao mesmo tempo que funciona como algo a ser evitado, age como uma força de transformação dentro da música", diz Campesato.

A lógica é: sem experimentar, toda música vira de uma nota só. Dizia o futurista Russolo: "Há algo mais ridículo que o espetáculo de 20 homens que persistem em multiplicar o miado de um violino?".

FIME
QUANDO de hoje (21) a 31/7
ONDE Sesc Consolação, MAC USP. Galeria Olido e outros espaços; horários e valores em www.fime.art.br


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