Folha de S. Paulo


crítica

Poemas reveladores esclarecem como Bukowski virou Bukowski

Não foi nada fácil para Henry Charles Bukowski Jr. (1920-1994) transformar-se no mito Bukowski.

Foram necessários mais de 50 anos de cultivo disciplinado de hábitos pouco virtuosos como o consumo de litros de vinhos vagabundos que lhe renderam épicas ressacas, muitas noites em cadeias fétidas, quase sempre acusado de promover arruaças em bares, relações de todos os tipos com dezenas de mulheres, muitas delas horrorosas, várias palestras polêmicas em universidades e incontáveis tardes apostando em corridas de cavalo.

Em "As Pessoas Parecem Flores Finalmente", livro de poemas póstumo do escritor que nasceu na Alemanha e se tornou uma das principais referências da literatura americana, essa receita de "como se tornar Bukowski" aparece de forma didática.

Ulf Andersen/Getty Images
O poeta norte-americano Charles Bukowski durante apresentação
O poeta norte-americano Charles Bukowski durante apresentação "Apostrophes", em Paris

Na obra —que sai agora na tradução do poeta Claudio Willer—, o leitor encontra a jovem namorada que gostava de fazer sexo oral em lugares pouco convencionais como cafés e parques –"e ela o fazia melhor/ do que qualquer outra/ que conheci./ e acho que isso merece este/ poema, quem sabe."

Lê sobre o sarau com um poeta acadêmico, "um professor de carreira que nunca havia/ estado na cadeia ou em puteiro/ cujo carro usado nunca morreu/ na autoestrada(...)", que lhe envia uma carta três semanas depois agradecendo –e ele faz da carta um aviãozinho que "navegou ao redor do quarto/ e aterrissou entre um velho boletim de corridas de cavalo/ e um par de shorts puídos".

Mas um outro Bukowski não tão Bukowski emerge das páginas de "As Pessoas Parecem Flores Finalmente".

É o caso daquele que, com a chegada da velhice, se preocupa com a perda da potência criativa: "sempre veio com tamanha/ facilidade/ sempre dei risada dos/ escritores que proclamavam que/ a criação era/ dolorosa(...)".

Em muitos dos poemas, aparece também o terno e carinhoso pai da menina Marina ("agora ela dorme lindamente como um/ barco do Rio Nilo").

Mas o mais revelador e surpreendente Bukowski surge nos versos de "você não pode passar à força pelo buraco da agulha".

Nele, o mesmo poeta que escreve maneira compulsiva ao longo da noite rasga os escritos à luz da manhã fria: "alguns têm/ quando muito/ apenas um verso decente/ ou dois/ rasgar e mandar para cesta/ esses fracassos/ é puro/ prazer".

As Pessoas Parecem Flores Finalmente

Autor Charles Bukowski
Tradução Claudio Willer
Editora L&PM
Quanto R$ 39,90 (296 págs.)
Avaliação muito bom


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