Folha de S. Paulo


crítica

Montagem é daquelas que dá vontade de abraçar e agradecer

Fala Comigo Antes da Bomba Cair é uma daquelas peças que a gente tem vontade de abraçar e dizer "obrigado", ainda que o conjunto esteja longe de ser uma obra-prima ou algo do gênero.

Com atuações ainda rasas, a montagem sob direção de Carla Candiotto recupera temas e personagens hoje raros no teatro paulistano, como a exaltação ao amor e à figura do "looser-herói".

Lenise Pinheiro - 21.jun.2015/Folhapress
Os atores Natalia Gonsales e Flavio Tolezani na peça
Os atores Natalia Gonsales e Flavio Tolezani na peça "Fala Comigo Antes da Bomba Cair".

As velhas histórias influenciadas pelos americanos da geração beatnik parecem ter cedido lugar a textos de jovens autores que dizem odiar as distopias e as enfermidades sociais. Paira um pesadelo sem fim sobre a nova dramaturgia de São Paulo e tentamos, da plateia, desvendar se esse dedo apontado para o mal tem algum componente fetichista.

Ok, bobagem, enfermidades sociais são um assunto importante, e não precisamos abandoná-lo (o assunto, as enfermidades, talvez).

Mas o outro lado da moeda andava meio oculto e, para quem vê dois espetáculos por semana, foi um alívio poder reencontrá-lo. Alguém faz "amor em SP", pensei durante a sessão de "Fala Comigo...", que teve direito a cenas sensuais coreografadas à meia luz –e ao som de guitarras!

O risco de ser cafona, de parecer brega, de soar ridículo não se coloca na peça como algo sem propósito. A referência são as antigas canções do músico Lobão, símbolo dessa vida bandida que hoje poucos toleram, desgastada pelos próprios ídolos.

Para recuperar a dose de valores dos movimentos de contracultura, a peça de Candiotto costura dois textos: "Fala Comigo como a Chuva e Me Deixa Ouvir" e "Vamos Sair da Chuva Quando a Bomba Cair", escritas respectivamente por Tennessee Williams, nos anos 1950, e por Mário Bortolotto, nos anos 1980. Costura impecável.

Da fusão surge a história de um relacionamento insólito, entre uma mulher bem-sucedida e um sujeito perdido na noite, caótico. Quando decidem morar juntos, anteveem a roubada, mas investem na vida a dois mesmo assim.

Flávio Tolezani e Natalia Gonsales se dedicam a atuações que parecem lapidadas em uma primeira leitura da peça, sem muitas pausas, sem entretempos e colorações. Parecem empenhados em tipos, do início ao fim.

Tipos podem ser incríveis, mas são melhores quando, como espectadores, esquecemos que eles existem, especialmente durante a sessão. Talvez esteja aí a questão mal resolvida da peça: tornar novidade o velho idealismo da contracultura não é tarefa fácil.

FALA COMIGO ANTES DA BOMBA CAIR
QUANDO qua. e qui., às 21h; até 27/8
ONDE Viga Espaço Cênico, r. Capote Valente, 1.323, tel. (11) 3801-1843
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO muito bom


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