Folha de S. Paulo


Debate com Sarlo e Coelho sobre viagens deságua na política

"Há um caminho de esperança no Brasil porque a Justiça está atuando contra a corrupção", disse Beatriz Sarlo em mesa na Flip, no sábado (4), pela manhã. A ensaísta argentina fez a observação ao comparar o problema na Argentina e no Brasil.

"Em meu país, o vice-presidente [Amado Boudou] está enfrentando um processo, e mesmo assim não deixou o cargo. A corrupção é condenável em todas as suas formas, mas no Brasil vejo mais esperança para resolver esse problema."

Sarlo apresentou-se na mesa "Turista Aprendiz" ao lado da portuguesa Alexandra Lucas Coelho. Ambas lançaram recentemente livros de viagens —o de Sarlo, "Viagens "" Da Amazônia às Malvinas", publicado pela editora E-galaxia, percorre a América Latina, enquanto o de Alexandra, "Vai, Brasil", da editora Tinta da China, narra suas experiências no Rio.

"Todas as viagens servem, em qualquer idade", disse Sarlo, ao comparar sua ignorância, aos 20 anos, quando visitou Brasília, nos anos 1970, com a experiência com a qual viajou às Malvinas, em 2013.

"Eu era jovem e Brasília também. Não sabia nada de arquitetura ou quem era Niemeyer, mas aquilo me marcou tanto, que sou vanguardista e modernista até hoje", disse ela, provocando aplausos na plateia.

Já nas Malvinas, que visitou durante o referendo em que decidiu-se a continuação do território como parte do Reino Unido, a experiência foi diferente.

"Estava como jornalista, cobrindo o evento para um jornal argentino [o "La Nación"]", conta. "Numa situação assim, eu tinha de ter lido tudo e estar muito preparada, senão seria uma irresponsável. São tipos diferentes de viagens."

Por sua vez, Coelho ressaltou a importância de ter chegado ao Rio para viver após os 40 anos de idade, tendo participado antes de coberturas de guerra no Oriente Médio.

"Muitas das armas que vi recolhidas no Rio eram as mesmas que tinha encontrado em situações de conflito. A experiência de viver no Rio de Janeiro é violentíssima e foi importante ter chegado ao Brasil após passar por tantos lugares", disse ela.

COLONIALISMO

A escritora explicou que sempre foi levada pela curiosidade de encontrar os efeitos do colonialismo, tanto em suas viagens pela Europa como nas pelo Oriente Médio.

"Mas foi apenas quando visitei o México, e tive contato com um indígena mexicano, que me senti preparada para sentir os efeitos dos colonialismos espanhol e português nas Américas. O passo seguinte teria de ser o Brasil".

Sarlo emocionou a plateia ao mostrar uma foto antiga em que aparece, muito jovem, numa sacada, mirando um horizonte verde. Fora enviada no dia anterior por um dos amigos com quem ela realizou as viagens da juventude.

"As fotos foram essenciais para guiar o livro. Não o escrevi em primeira pessoa, sempre falo em 'nós', no grupo com quem viajei", disse. "Como uma dessas pessoas já morreu e a outra hoje dedica-se à arquitetura, quando as fotos chegavam a mim, era como se eu tivesse o dever de escritura. Já não sou mais a pessoa dessa foto, mas fiquei com a responsabilidade de registrar o momento de solidariedade que existiu naquele grupo."

Ao ser instada a comentar sobre o ex-presidente Lula, Sarlo fez uma análise sobre a importância do carisma dos políticos na América Latina.

"Não é algo que se transfere ou que se constrói, e com ele foi assim. O mesmo ocorreu com Chávez [ex-presidente venezuelano, morto em 2013]. Ainda que Maduro fosse um político inteligente, e não creio que seja, não conseguiria herdar isso", afirma.

"Claro que gostaríamos de pensar que não precisamos disso, que preferimos um mundo em que a política seja mais racional, mas não é assim na América Latina."

DESCONFIANÇA

Também na manhã deste sábado (4), o crítico de cinema da Folha Inácio Araujo comentou na Flip as relações entre duas de suas paixões: os filmes e os livros. O encontro ocorreu na Casa Folha. A mediação foi de Teté Ribeiro, editora da "Serafina".

Inácio lançou no ano passado seu terceiro livro de ficção, a coletânea de contos "Urgentes Preparativos para o Fim do Mundo" (editora Iluminuras). Na conversa, ele apontou que há hoje uma grande desconfiança em relação à ficção.

"Nós estamos numa festa literária e o que menos vejo aqui é literatura. Vejo mesas com historiadores, cientistas, economistas. Nós perdemos um pouco a capacidade de sonhar literariamente e cinematograficamente? A ficção não está se acanhando hoje?"


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