Folha de S. Paulo


Fafá de Belém comemora 40 anos de carreira com lançamento de 31º disco

"Você devia começar a rir com elegância." Fafá de Belém, 58, reproduz o conselho que ouviu na Gallery, boate badalada na noite paulistana dos anos 1980. "Meio alterada de champanhe", lhe restou reagir com uma de suas estrondosas gargalhadas –a Folha a mediu com um aplicativo de celular: 94 decibéis, o equivalente ao trânsito no Minhocão, em São Paulo.

Seu 31º disco, "Do Tamanho Certo para o Meu Sorriso - O Coração É Brega", só amplifica as batidas do músculo que bate forte sob o lado esquerdo do bojo 100-D (usa a numeração francesa, que daria "um bojo 48/50 com a largura de tórax de 44/46" no Brasil, onde "os sutiãs parecem coador de pano").

Previsto para este mês, o álbum traz dez músicas embebidas "do universo da mulher amazônica".

Há 40 anos, a filha da Amazônia estreava na música com "Filho da Bahia", que entrou na trilha da novela "Gabriela" (Globo).

E há 40 anos, diz, alguém tenta lhe dizer como rir ("menos, Fafá"), com quem andar (já sugeriram que posasse com namorado falso para revista de fofoca), o que cantar (algo mais "diva", menos "povão").

O problema, afirma Fafá, é este: "Nunca fui a mais quieta, a mais magra, nunca quis ser miss. E faço quatro décadas de carreira sem repetir modelos".

Isso inclui ora reler o "pomposo" Chico Buarque (no disco "Tanto Mar", de 2005), ora horrorizar seu produtor –como o fez ao gravar, em 1985, uma música dita popular além da conta.

Fafá queria cantar "Memórias", do pernambucano Leonardo Sullivan. O produtor bateu o pé: "Você é uma deusa, está em outro patamar".

Às favas com o Olimpo. Ela conta que travou a maçaneta e trancou o produtor no banheiro para terminar os arranjos às escondidas.

"Quando gravei 'Atrevida', fui colocada no pau de arara. Me chamaram de oportunista. 'Agora Fafá se vendeu ao brega'", relembra a reação a seu álbum com "Memórias" e várias lambadas no repertório.

Vender-se ao brega pra quê, se o faria de graça? "Ser uma cantora popular é maravilhoso." Ficha que caiu quando viajou à Grécia e, com uma taça de vinho branco na mão, foi surpreendida por um coro de turistas amazonenses: "Vermelho, vermelhaço, vermelhusco..." (da popularíssima "Vermelho").

"Fui a primeira a colocar o sertanejo na FM", diz sobre "Nuvem de Lágrimas", que explodiria em 1990, em parceria com Chitãozinho e Xororó.

A morte de Cristiano Araújo, "o cantor que ninguém conhecia, exceto milhões", na definição do espanhol "El País", revela um Brasil que ainda ignora seus ídolos. Fafá estava em Goiás quando o sertanejo local se acidentou. "Todos aos prantos, até a mulher do pedágio. E eu não conhecia", faz a "mea culpa".

BATISMO

Fafá é confessadamente brega, mas não só. São várias mulheres em uma.

Tem a herdeira de caboclos "cor de mate" e portugueses lavradores, que aos 12 anos lia Sartre e convivia com habituês da casa da família –como Belchior, Fagner, Milton Nascimento e Wagner Tiso (que namorou depois, aos 17).

A religiosa que cantou para três papas –recorda um padre no Vaticano que lhe suplicou: "Não tente abraçar Bento 16, porque este aqui é alemão, hein?".

A que "não sabe se relacionar com mitos muito grandes para uma menina de Belém". Nos anos 1970, Caetano Veloso lhe telefonou, e ela: "Vai pra puta que o pariu passar trote em outro". Foram apresentados num almoço: "Você me mandou tomar no cu meia hora atrás. Deve ser Fafá".

A "musa das Diretas Já", que comprava pombas brancas no lote 23 do Mercado de Pinheiros e as soltava nos comícios.

A dos famosos peitos, que batizou pias com duas cubas redondas, morros em Fernando de Noronha (os "dois Fafás"), a torcida flamenguista "mais peituda do país" (Fla Fla de Belém) e o Fuscão Fafá, de lanternas arredondadas –até hoje acha-se anúncios do carro de 1978: "Vendo Fafá todo recuperado" ou "vendo Fafá com capô amassado".

E, por fim, a Fafá de Belém, que mora em São Paulo, mas sabe de onde veio. "O elefante, quando percebe que está virando a metade da vida, começa a fazer o caminho de volta. Devo tudo o que sou à minha cidade."


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