Folha de S. Paulo


Há pessoas aqui que talvez vivam 400 anos, profetiza neurocientista na Flip

A Flip ficou um pouco mais cerebral na tarde desta sexta-feira (3) –e o público gostou. O neurocientista Sidarta Ribeiro, 44, e o economista e filósofo Eduardo Giannetti, 58, foram aplaudidos de pé por parte do público ao final de um debate que abordou ciência, deus, sonhos, drogas e memórias, entre outras elucubrações.

Desde o começo, a plateia foi instada pelos palestrantes a se manifestar. Para ilustrar uma teoria, Sidarta pediu que quem estivesse presente movesse o polegar direito.

Zanone Fraissat/Folhapress
O neurocientista Sidarta Ribeiro na mesa
O neurocientista Sidarta Ribeiro na mesa "As Ilusões da Mente", que teve mediação de Bernardo Esteves e participação do economista Eduardo Giannetti, no terceiro dia da Flip.

Em outro momento, o diretor do Instituto do Cérebro da Universidade do Rio Grande do Norte perguntou quem na Tenda Principal já havia consumido ayahuasca –várias pessoas levantaram a mão. Quando o neurocientista defendeu o fundador da psicanálise Sigmund Freud ("geralmente, quem não gosta de Freud, é aquele tipo 'não li e não gostei'"), o público o ovacionou. "Tá cheio de psicólogo aqui", concluiu Sidarta.

Até uma "meta-Flip" rolou, uma referência à mesa do dia anterior, com Jorge Mautner e Marcelino Freire. O público queria saber se Sidarta sabia o que eram os "neurônios saltitantes" sobre os quais falou Mautner. "Depois de certa idade, eles não saltam tanto", disse Giannetti. "Não sei o que é, mas deve ser muito legal", brincou Sidarta.

"Está claro o que eu estou falando?", perguntou Giannetti a certa altura da mesa, recheada de termos científicos. A resposta, risos nervosos da plateia, revelou que nem tanto.

Giannetti e Sidarta discutiram um tema que inquieta o filósofo: a existência de uma máquina biológica por trás da consciência. "O mistério da condição humana só se agrava", disse Giannetti. Sidarta afirmou que a hipótese não lhe angustia. "Temos completa liberdade diante do pequeno número de coisas que podemos escolher", afirmou.

Num ponto alto, alguém do público provocou Giannetti com uma pergunta lida pelo jornalista Bernardo Esteves, da revista "piauí", que mediava o debate: "como você tem certeza que está se apresentando na Flip e não sonhando ou delirando?".

Era uma resposta da plateia aos questionamentos sobre a relação entre o cérebro e a mente feitos por Giannetti. Ele respondeu de pronto: "Eu não tenho certeza!".

Giannetti é autor de "A Ilusão da Alma" (Companhia das Letras), livro sobre um jovem que fica obcecado pela relação entre o cérebro e a mente após a retirada de um tumor cerebral. Ele é ligado a Marina Silva, que concorreu à Presidência do país no ano passado. Recebeu alguns aplausos quando mencionou a política, dizendo apenas que a apoiava.

REJUVENESCER

"Ao contrário do que soa, não é ficção científica", afirmou Sidarta, após soltar a mais impactante das frases da mesa: "Há pessoas nessa sala que talvez vivam 300, 400 anos". Ele citou pesquisas divulgadas por cientistas que já conseguem fazer camundongos rejuvenescerem. "Vai ficar complicado num casamento monogâmico", brincou Giannetti. "Vai ser amor eterno", completou o cientista.

Não ficou de fora a polêmica relacionada ao cientista Miguel Nicolelis, com quem Sidarta rompeu no Rio Grande do Norte. "Tive um conflito muito grave com o Miguel. A gente não se fala", disse, aproveitando para cutucá-lo –segundo Sidarta, seu laboratório produziu 140 artigos científicos ante "talvez 15" do laboratório de Nicolelis desde o rompimento. Mas fez uma ressalva: "sem a energia dele, não teríamos conseguido o que conseguimos em Natal. O resto, a parte ruim, deixa para lá".

Gianetti foi bastante aplaudido quando disse que cientistas deveriam perder o preconceito em relação ao conceito de Deus. E atacou o biólogo evolucionista Richard Dawkins: "é uma pretensão em achar que a ciência responderá a essas perguntas da vida". "Nossa ignorância é infinita e continuará para sempre assim."

Sidarta, por sua vez, disse que entende Dawkins. "É uma posição simplória, mas ele está em confronto com pessoas muito mais simplórias, que são pessoas fundamentalistas de direita", afirmou, sob aplausos.

Também houve um embate entre a opinião dos palestrantes sobre drogas. Sidarta defendeu a legalização. "Todas elas têm que ser legalizadas e regulamentadas para o que elas foram feitas, e não com a cabeça dos legisladores racistas dos anos 1940", falou.

Já Giannetti disse apenas: "minhas drogas são as ideias". Um grupo ensaiou aplausos, mas o movimento não teve adesão.

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Confira a programação completa da Flip 2015.


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