Folha de S. Paulo


Tristeza é marca da passagem de Mário pelo Rio de Janeiro

"Em vez de calorão, mil calorões. Em vez de pasmaceira, mil pasmaceiras. Em vez de milhão e meio de cariocas, dez milhões deles!" Assim Mário de Andrade descrevia o seu "inferno" –a temporada dele no Rio–, em carta endereçada ao amigo Paulo Duarte.

O período em que viveu na cidade (1938-1941) é um dos menos conhecidos da vida do modernista, homenageado na Flip deste ano. E talvez o próprio quisesse esquecê-lo.

A irritação com a informalidade dos cariocas e o calor não foram os únicos problemas. Segundo seus biógrafos, a estadia no Rio foi marcada por uma grande depressão.

Reprodução
Fotografia de Mário de Andrade (no centro) em restaurante do Rio de Janeiro, em 1938.
Fotografia de Mário de Andrade (no centro) em restaurante do Rio de Janeiro, em 1938.

O motivo principal: o desmonte pelo Estado Novo, em 1938, do Departamento de Cultura de São Paulo, que Mário chefiou por três anos. "[Ele se exilou] como um Napoleão que vencera muitas batalhas e foi finalmente derrotado", diz Jason Tércio, que está finalizando a biografia "As Vidas de Mário de Andrade".

O modernista morou no bairro da Glória e, em 1940, mudou-se para Santa Teresa, onde gostava de passar horas olhando a vista panorâmica do centro. "Vivia uma grande solidão, mas que cultivava com certa volúpia", escreve Eduardo Jardim em "Eu Sou Trezentos" (Edições de Janeiro, 2015).

Mário fora convidado para viver no Rio pelo então ministro da Educação, Gustavo Capanema, e seu chefe de gabinete, o poeta Carlos Drummond de Andrade. Queriam que dirigisse o Serviço de Teatro, mas o escritor quis um cargo de menos destaque.

Teve três empregos na cidade: foi diretor e professor de filosofia e arte no Instituto das Artes da Universidade do Distrito Federal até 1939, seguiu para o Instituto Nacional do Livro e depois para o SPHAN (Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que ajudara a fundar em 1937.

Começou um romance, "Quatro Pessoas", mas o abandonou, e três poemas, todos tristes, incluídos em "A Costela de um Grão Cão" (1941).

O contexto político também o entristecia. No Brasil, a ditadura de Getúlio Vargas. Na Europa, a Segunda Guerra. Quando Paris foi ocupada pelos alemães, em 1940, ele e Sérgio Buarque de Holanda esvaziaram uma garrafa de uísque. Nessa época, "desmandou-se" na bebida, disse seu secretário José Bento Faria Ferraz.

Ainda assim, diz Jardim, "a capital não foi apenas cenário de frustrações. No Rio, renovou amizades e teve uma vida independente da família" –até então, morara com a mãe.

Dos amigos de bar, Moacir Werneck de Castro foi o primeiro a abordar a sua sexualidade, descrita como "difusa pansexualidade", no livro "Exílio no Rio" (Rocco, 1989).

O convívio com Lúcio Rangel, crítico e grande conhecedor de samba, aproximou Mário do ritmo. "Poucos sentiram o samba carioca como ele!", escreveu Rangel no jornal "Correio do Povo", em 1961.

Em 1941, o autor anunciou com um murro numa mesa de bar que voltaria a São Paulo. Mas a depressão não o abandonou. Em 1942, escreveu: "Toda a minha obra não é mais que um hiperindividualismo implacável. É melancólico chegar assim no crepúsculo sem contar com a solidariedade de si mesmo". A culpa, afinal, não era só do Rio.

Editoria de Arte/Folhapress
Mapa Mario de Andrade

Endereço da página:

Links no texto: