Folha de S. Paulo


Narcotráfico move política na América Latina, diz britânico que falará na Flip

"Crime organizado", "guerra de gangues" e "bandidagem" são alguns dos termos que deveriam ser repensados para se tratar do assunto do narcotráfico. Pelo menos na opinião do escritor e jornalista britânico Ioan Grillo, 42, que fala neste sábado na Flip (Festa Literária de Paraty), em mesa que substitui a do italiano Roberto Saviano.

"Jornalistas e acadêmicos ainda não sabem tratar do assunto. Expressões como essas limitam o problema à esfera policial. Mas hoje em dia, na América Latina, este é um tema que move a política, financia campanhas, está metido nos grandes negócios e na sociedade", diz, em entrevista à Folha, em Paraty.

Zanone Fraissat/Folhapress
O escritor britânico Ioan Grillo em Paraty.
O escritor britânico Ioan Grillo em Paraty.

Grillo exemplifica. "Pode parecer caricato descrever algo como os Cavaleiros Templários [cartel mexicano que evoca símbolos da Idade Média e tem estrutura muito rígida]. Mas pela destruição que causam e pelo poder que têm, precisamos leva-los a sério, entender como funciona a cabeça dessas pessoas, qual o papel dessa ideologia que seguem e o alcance de seus negócios."

Radicado na Cidade do México há 15 anos, Grillo é correspondente da revista "Time", colaborador de vários meios e autor de "El Narco - Inside Mexico's Criminal Insurgency" (Bloomsbury), em que busca retratar o fenômeno como um sistema com várias ramificações. Para a obra, realizou viagens aos Estados mais conflagrados do país e entrevistou integrantes de cartéis, membros do Exército e da polícia, e políticos locais.

Em seu próximo livro, que será lançado em 2016, Grillo tratará do assunto de modo comparativo. "Traço os pontos em comum da estrutura de grupos como o Comando Vermelho [Brasil], Shower Posse [Jamaica], Mara Salvatrucha [El Salvador] e os Cavaleiros Templários [México]. A ideia é mostrar não apenas as similaridades que possuem como organizações criminosas, mas como constroem sistemas de Justiça particulares e bastante cruéis", resume.

Sobre trazer o assunto para um festival de literatura como a Flip, Grillo diz ser pertinente porque a imprensa internacional tem sido muito pautada pelas preocupações dos países europeus e dos EUA. "E estes estão pensando na principal ameaça a eles neste momento, que é o Estado Islâmico. Na América Latina, temos o dever de prestar mais atenção às redes do narcotráfico que estão aqui."

Grillo dialogará com um dos jornalistas e escritores mexicanos mais destacados de sua geração. Diego Enrique Osorno, 35, é autor de livros sobre o narcotráfico ("El Cártel de Sinaloa", "País de Muertos"), a imigração ilegal ("Un Vaquero Cruza la Frontera Chica") e uma biografia do empresário mexicano Carlos Slim, um dos homens mais ricos do mundo.

Em entrevista por e-mail, Osorno diz que as crônicas e reportagens publicadas em livros são um fenômeno editorial no México e apontam uma saída para o momento difícil que vive o jornalismo impresso.

"A crise existencial dos grandes meios mexicanos, causada pelo impacto da internet e das redes sociais, produziu um efeito positivo: criou uma enorme manada de jornalistas independentes que estão colocando a cara e o esforço para documentar a realidade."


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