Folha de S. Paulo


Queniano cotado ao Nobel, Ngugi wa Thiong'o exporta visões de seu país

Até ser confirmado para esta Flip, o queniano Ngugi wa Thiong'o só dava o ar da graça na imprensa brasileira em véspera de Prêmio Nobel, quando, ano após ano, seu nome de pronúncia nebulosa (a mais usada é "ingugui uá tiongô", mas há controvérsias) liderava as bolsas de aposta para a honraria.

Embora fosse reconhecido no meio literário internacional ao ponto de merecer, na revista "New Yorker", um perfil assinado pelo escritor John Updike (1932-2009) em 2006, por aqui seu mais de meio século de produção criativa passava incólume pelo mercado editorial.

Tony Karumba/AFP
Ngugi wa Thiong'o durante sessão de autógrafos em Nairóbi, no Quênia, em junho.
Ngugi wa Thiong'o durante sessão de autógrafos em Nairóbi, no Quênia, em junho.

O encanto foi quebrado em fins de 2014 pela Alfaguara, que foi ao fundo do baú de Thiong'o para adquirir os direitos do romance "Um Grão de Trigo" (1967). Na sequência, a Biblioteca Azul garantiu, do outro extremo da cronologia de obras do queniano, "Sonhos em Tempo de Guerra" (2010), primeira parte de uma trilogia ainda não finalizada de memórias.

Mais de 40 anos distantes entre si, a ficção e a não ficção que chegam juntas às livrarias brasileiras abarcam as mesmas nuances e contradições de um povo que, em meados dos anos 1950, reconhecia indícios do momento que culminaria na independência de seu país, em 1963, após décadas de exploração pelos britânicos.

AÇÕES HUMANAS

Nos dois livros estão, por exemplo, os conflitos da relação entre nativos e colonizadores. Karanja, personagem que no romance trai a causa negra e aceita ser humilhado pelo chefe branco para manter a reputação de ter algum poder, assemelha-se a alguns dos jovens que passam pelas memórias de Thiong'o.

"Sempre me interessei pela mistura de motivações que movem as ações humanas. É por isso que precisamos da arte, do romance, em particular, para nos capacitar a capturar conflitos e contradições em nossas vidas", diz o escritor, que, nesta sexta (3), debate as escritas do hemisfério sul com o australiano Richard Flanagan, vencedor do Man Booker Prize 2014.

Foi um desses conflitos que fez Thiong'o, nos anos 1970, abandonar o inglês que começava a garantir o reconhecimento de sua obra e, numa espécie de suicídio comercial, começar a publicar no dialeto gikuyu.

"Não gostava de adotar a língua colonial como a minha própria. As línguas africanas estão muito vivas, mas, se não as usamos para escrever, podemos levá-las à morte. Meu idioma é o gikuyu, e com ele posso brincar mais com a musicalidade da linguagem do que fazia em inglês", ele diz.

Thiong'o diz não acreditar que a escolha pelo dialeto tenha interferido na divulgação de sua obra. Enquanto o prêmio da Academia Sueca não vem, ele diz que este é seu Nobel: seus livros alcançarem outros países, como, agora, o Brasil.

UM GRÃO DE TRIGO
AUTOR Ngugi wa Thiong'o
TRADUÇÃO Roberto Grey
EDITORA Alfaguara
QUANTO R$ 49,90 (304 págs.)

SONHOS EM TEMPO DE GUERRA
AUTOR Ngugi wa Thiong'o
TRADUÇÃO Elton Mesquita e Fabio Bonillo
EDITORA Biblioteca Azul
QUANTO R$ 44,90 (272 págs.)

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Confira a programação completa da Flip 2015.


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