Folha de S. Paulo


Artista trans Antony Hegarty canta tributo a lendário dançarino de butô

Antony Hegarty, 44, ficou atônita com a "linda mulher" que viu numa capa do Culture Club, banda "new wave" dos anos 1980. Era Boy George.

Esse vislumbre, diz a artista transgênero à Folha, lhe "deu esperança de que é possível se manifestar de várias formas belas". A líder do grupo Antony and the Johnsons expressa uma delas em São Paulo, com shows na quarta (1º) e na quinta (2), em tributo ao dançarino Kazuo Ohno, morto em 2010, aos 103 anos.

Alejandro García/Efe
A artista trans britânica Antony Hegarty durante apresentação em Barcelona, em 2015.
A artista trans britânica Antony Hegarty durante apresentação em Barcelona, em 2015.

Yoshito, filho do mestre do butô e também uma referência na tradicional dança japonesa, une-se ao pianista no palco. Fará coreografias enquanto Antony toca canções de sua carreira, sobretudo do álbum "The Crying Light" (2009), que tem Kazuo maquiado como gueixa na capa. "Via nele uma forma de seguir como artista neste mundo", diz a inglesa.

Antony despontou no mundo indie com o disco "I Am a Bird Now" (2005). Até então, público e crítica sempre se referiam "ao" Antony, rapaz andrógino da voz encharcada de "solidão e agonizante espera", segundo a "Rolling Stone".

"Quando o escutei, sabia que estava na presença de um anjo", definiu Lou Reed (1942-2013), fundador do Velvet Underground –para Antony, "um mentor e melhor amigo".

A britânica, que agora se faz chamar por "ela", achou bárbaro a liberação do casamento gay nos EUA e ficou feliz quando o ex-campeão olímpico Bruce Jenner revelou ao mundo, vestindo um corpete na capa da "Vanity Fair", que era Caitlyn Jenner.

"A forma como uma nação trata sua comunidade LGBT é uma medida para sua saúde espiritual", afirma.

Aos 19, quando saía pelas ruas de Nova York com cetim preto, coturnos e a inscrição "fuck off" ("cai fora", em tradução leve) rabiscada na testa, era um "espírito jovem" tentando passar um recado.

"Desde criança eu lutava com a sociedade americana, cheia de fanáticos e de violência contra transexuais. A vida é muito diferente na América agora, graças a Deus."

Escutou de amigos locais que "no Brasil ainda há alguma violência contra gays e lésbicas". Torce para que estejam enganados. "As pessoas que procuram machucar gays e trans são tão vergonhosas e patéticas. E qualquer país que odeia gays tende a odiar as mulheres também", afirma.

Hoje, integra o Future Feminist Foundation, coletivo de cinco mulheres em Nova York, entre elas as irmãs Bianca e Sierra Cassady (do duo CocoRosie) –as artistas Laurie Anderson e Marina Abramovic já participaram de atos.

Em performance recente, o quinteto cravou em 13 pedras de ônix "dogmas do feminismo do futuro", explica. Dois de seus favoritos: "A subjugação das mulheres e da Terra são uma só coisa" e "liberem os homens de seus papéis como protetores e predadores".

Para Antony, a mais judiada das mulheres atende por Terra. "Ela não é nossa, nós é que somos dela, que fará o que quiser com a gente. A Terra está desenvolvendo uma febre, e estamos agindo como vírus. Ela pode tentar nos ferver até que desapareçamos. O triste é que afundaremos boa parte da biodiversidade conosco."

ANTONY AND THE OHNOS
QUANDO qua. (1º) e qui. (2), às 21h
ONDE Sesc Vila Mariana, r. Pelotas, 141, tel. (11) 5080-3000
QUANTO R$ 30 a R$ 60
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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