Folha de S. Paulo


Nina Simone tentou me matar com faca de caça, diz empresário

"O nome dele era Ricardo? Sim, eu me lembro, era boa gente", conta, por telefone, Raymond Gonzalez, empresário de Nina Simone nos últimos 20 anos de sua vida.

Ricardo é o motorista brasileiro que a conduziu em sua turnê pelo Brasil, em 2000, e caiu nas graças da cantora. Foi morar com ela na França e a acompanhou em sua última turnê pelos EUA, em maio daquele ano.

"Talvez ele esteja desaparecido no tempo", ri Gonzalez, quando a Folha insiste se ele por acaso não lembra o sobrenome do homem que a reportagem buscou, sem sucesso, por mais de um mês. "Se ele não quis falar com vocês, pelo que posso dizer, é porque a história com Nina não acabou bem."

O empresário porto-riquenho morava em Paris e a cantora, em Aix-en-Provence, no sul da França.

Diz não saber detalhes do que houve entre Nina e Ricardo ("não sei se dormiram juntos, mas acho improvável que tenha acontecido"). Só que, do mesmo jeito que a cantora o contratou pessoalmente, também o demitiu, após um incêndio em sua casa.

"Foi coisa dela, acho que ela simplesmente gostava dele. Se o contratamos, foi provavelmente porque insistiu muito ou porque ela estava enchendo tanto o saco que apenas dissemos: 'Se te fará feliz, traga ele conosco'."

Ricardo foi uma das boas lembranças que a cantora levou do Brasil, diz o empresário. "Ela amou o Brasil. Nina tinha um pouco de sangue latino correndo nas veias."

"Lembro de quando ela cantou com Maria Bethânia [na música "Pronta pra Cantar"]. Elas gravaram a música à distância, não estiveram juntas", conta Gonzalez. "Nina estava animada, não era o tipo de pessoa que tinha vontade de fazer coisas assim. Fez porque admirava Bethânia." Procurada pela Folha, a brasileira não comentou a experiência.

Todas essas histórias, porém, são "irrelevantes", diz Gonzalez, perto de tudo o que viveu com Nina Simone.

Agente baseado em Paris, ele a conheceu em 1981, quando produzia o festival de Pamplona, na Espanha. Ela queria se apresentar no festival e acabou sendo posteriormente agenciada por ele.

Os anos que Gonzalez viveu com a cantora aparecem brevemente nos últimos minutos do documentário "What Happened, Miss Simone?". O filme privilegia a formação e o ativismo dela nos anos 1960.

A era Gonzalez começa com o diagnóstico de transtorno bipolar que a cantora e pianista recebeu, o que condicionaria sua saúde a medicamentos psiquiátricos até o fim da vida.

"Nina era uma mulher que nem sempre tinha controle sobre si mesma, é difícil dizer isso", conta o empresário. "Qualquer coisa que ela fizesse quando não tomava os remédios não era a verdadeira Nina. Era a Nina do mal."

Uma artista que podia ser doce e tinha "um coração gigantesco", mas podia tentar matá-lo. Certa vez, o ameaçou com uma faca de caça, em Londres. "Um dos produtores precisou subir as escadas do hotel e impedi-la."

Viviam "uma relação de amor e ódio", diz, com "incontáveis momentos maravilhosos" e outras tantas discussões, como quando ele insistia que ela praticasse piano -Nina jamais ensaiava ao instrumento antes de shows.

Ele compara "doctor" Simone, como ela gostava de ser tratada, a "O Médico e o Monstro", da história de Robert Louis Stevenson.

"O lado Hyde não tinha controle, mas ainda assim era bom, porque era quando ela fazia suas melhores performances", diz. "Era quando Nina mostrava toda a sua alma, toda a raiva que sentia do mundo."


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